quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

auto (se é que é possível) - avaliação



O meu último antiprotocolo já se constituiu, em parte, em uma avaliação do curso de direção como um todo então vou procurar não me repetir e ser sucinto nas observações. Procurar também falar sobre a minha experiência neste processo colaborativo.

Em primeiro lugar, devemos pensar juntos sobre que diretor esse departamento de artes cênicas quer formar. Eu, particularmente, não ambiciono ser um diretor de grandes encenações que vão ficar para a história por suas imagens violentamente belas ou por sua quebra absoluta de todos os paradigmas e, às vezes, me sinto cobrado por não estar me tornando esse tipo de diretor. Cobrado no sentido de que, se não for isso, serei apenas um diretorzinho medíocre, técnico. Eu discordo. Acho que como curso de direção o CAC deve estar aberto a formar diretores com competências múltiplas e minha afirmação vem do fato de ter, esses dias, ido visitar a sede da Cia Balagan dirigida por Maria Thais. A despeito de todos os problemas que a Cia vem enfrentando e de eu nunca ter visto ao vivo uma peça deles, acho que o tipo de diretor que quero ser se aproxima um pouco do trabalho de Maria Thais: uma pesquisa extra-teatral, de bases antropológicas, filosóficas e poéticas que encontra seu chão no estudo sobre o ator e a sua linguagem.

Isso vem de um fato que tenho contatado de que a parte que mais me interessa na direção não é a encenação em si, a conjunção dos diferentes discursos musicais, plásticos, etc... mas a pesquisa teórica que precede o trabalho da cena e a pesquisa sobre o treinamento específico do ator e como esse trabalho se transforma em cena (elementos que, aliás, investigo na minha iniciação científica). Devo desistir de ser diretor e estudar pra me tornar um professor de interpretação? Dirigir coletivos de alunos-atores? Talvez. Esse também é um dos meus objetivos. Mas ainda sim acho que o curso de direção do CAC deveria se abrir para as possibilidades de diretores que pretende formar, deixando de lado essa pretensão arrogante uspiana de formar os grandes encenadores do século XXI.



Mas então fiquei pensando em como não fazer simplesmente uma crítica ao curso, sem deixar pistas dos pontos que podem ser atacados para melhorá-lo. Na minha opinião, o principal foco de tensão é o planejamento pedagógico do curso como um todo, pois reformular as matérias de uma habilitação apenas (sem pensar na reverberação disso no todo) torna esdrúxula qualquer tentativa de um curso sobre colaboratividade.

De modo geral, a experiência do colaborativo aguça três aptidões de um diretor: saber ouvir, saber se desprender e reciclar e saber deixar o caos invadir. Ouvir tanto as críticas, quanto os atores, cenógrafos, dramaturgos e iluminadores. Ouvir com humildade o que é dito por eles mesmo que, de trinta minutos de fala, você ache que nada ali possa ser aproveitado concretamente. Ouvir com generosidade para entender que às vezes, para algumas pessoas, é preciso que elas falem, falem mesmo sem fazer sentido, para que aquela experiência ali-e-naquela hora faça sentido pra ela própria. E isso faz toda a diferença. Aprender também que ouvir exige tempo, um tempo que às vezes não temos, mas que temos que aprender a ter em detrimento de outras coisas que talvez consideremos “mais importantes”.

Saber de desprender de suas idéias originais e geniais. Saber deixar passar e deixar fluir. Saber ver uma idéia genial ser transformada em uma cena medíocre e entender que isso faz parte do processo. Saber ver que um tema que instigava muito se transformou em algo que não te instiga tanto, mas que aquilo faz parte da experiência da autoria coletiva. Saber também que não se pode deixar tudo se esvair em nome do coletivo, saber encontrar a medida.

Saber deixar o caos invadir tem a ver com ser permissivo, permeável a desordem. Entender que sair feliz dos ensaios não é sinal de bom ensaio e que o contrário também se confirma. Entender que a crise é de ouro e traz consigo transformações dolorosas. Entender que mudar (assim como crescer) dói.

Para não falar só de coisas ruins, a experiência deste blog foi extremamente positiva, mas acho que poderíamos pensar talvez em dois blogs. Ele é não só um documento, mas também um ato – algo generoso e provocador, inclusive para as próximas turmas de direção teatral III. Um para todos participarem e um só para os diretores, para que a rede de comunicação entre atores e grupos ficasse cada vez maior e mais interativa.

sábado, 28 de novembro de 2009

um outro blog

uma vez eu tinha um blog, mas não sabia mexer direito. a experiência desse funcionou tão bem, que resolvi tentar de novo. a idéia são ensaios sobre teatro (peças e experiências), mas resolvi inaugurar com uma crítica de um filme que vi esses dias.

O Passolargo

ANTIPROTOCOLO

sobre o anti-encontro de 10 de Novembro

Primeiramente, digo que este será um antiprotocolo porque ele não vai relatar o que foi falado do último encontro, porque a maior parte do que se discutiu ali (além do protocolo do Júlio e do maravilhoso exercício-gráfico proposto por ele) não foi sobre as dificuldades de trabalhar colaborativamente ou sobre os processos, mas sobre a atitude dos alunos de direção neste curso, neste semestre.
Assim, pensei que um relato documental disso seria inútil e prefiro usar o que aconteceu para compartilhar algumas idéias que tenho tido e que acho fundamentais de serem pensadas por esses cinco diretores em (difícil) formação – eu, inclusive.

No início da disciplina Direção II, o Tó nos falou sobre a polêmica que é um curso de direção teatral no bacharelado de uma formação acadêmica. É que algumas linhas de pensamento colocam a Direção apenas como possibilidade formativa na pós-graduação, considerando que os alunos da graduação ainda não têm maturidade acadêmica e artística para enfrentar o trabalho da direção.
Antônio Araújo defendeu a habilitação em direção na graduação ao relatar experiências que provavam que o resultado dos trabalhos independia da idade do diretor, mas de uma intuição artística que mais tinha a ver com sua forma de organizar os materiais do que com sua vivência acumulada. Apesar disso, de início, mesmo sendo um aluno da direção, senti que os argumentos daqueles que defendiam o curso de direção na pós-graduação eram mais fortes. Na verdade, eu mesmo me sentia bem deslocado ali e, devida a minha parca experiência em teatro, me sentia despreparado para dirigir. Me sentia um cego guiando cegos, para usar a imagem que Cibele Forjaz usou em seu texto-relato sobre o processo colaborativo de Rainha[(s)]:

A minha função ali, principalmente no período de criação dramatúrgica, era muito clara: eu não poderia ser “a” criadora do espetáculo, ou de seus conceitos fundamentais, que deveriam se urdir necessariamente em conjunto, vindos do próprio não saber, nossa maior dificuldade e, ao mesmo tempo, nossa grande riqueza potencial.

Hoje, a partir de algumas experiências obtidas ao longo do ano e após refletir sobre o tema do anti-encontro passado, cheguei a algumas conclusões sobre o tema.
A formação em direção teatral no CAC é uma formação que tem a ver com um trabalho muito intuitivo. A partir de um texto ou tema – ou às vezes nem isso – os diretores são impelidos a dar a suas concepções artísticas sobre cenas de Shakespeare, Tchekov, Tennessee Williams... Isso, sem antes nunca ter lido nada sobre o que seja encenação. Isso, sem uma base qualquer do que tenham pensado Stanislavsky, Meyerhold, Craig, Zeami, Brecht, Artaud, a não ser que o aluno tenha, de livre e espontânea vontade, comprado um dos livros desses autores em alguma feira do livro.

Eu espero não estar com isso pedindo que peguem em nossa mão e expliquem como esses encenadores encenavam para que tenhamos modelos para copiar, mas o que vejo quando assisto as cenas no CAC, por vezes, é um punhado de trabalhos sem mestres. E isso não está só nas cenas de direção, mas nos PTs, trabalhos de licenciatura, etc... Parece que o vício da formação técnica nos ronda de tal maneira que passamos horas fazendo aulas de canto, e não temos nenhuma aula de encenação teórica.
Desde o segundo ano eu estudo teatro japonês por conta própria e se tem uma coisa que eu leio e admiro muito naqueles trabalhos é que nada ali surge sem anos e anos de pura observação dos mestres. A autonomia artística no Japão é uma conquista de anos e não uma reivindicação autocentrada de um estudante pseudo-engajado. Como afirma Pronko em Teatro Leste e Oeste, “as tradições não se formam de um dia para o outro, nem crescem sem devoção, sacrifício, disciplina, consagração.” Acredito muito nisso.
E então quando nos deparamos com uma estrutura curricular até interessante que propõe

Direção I: concepção livre de uma cena de um texto pronto, sem alterar o texto, ao longo de um semestre.
Direção II: exercícios textocêntricos e cenocêntricos em torno de uma dramaturgia prévia.
Direção III: exercício de constituição de uma cena sem dramaturgia prévia com presença do dramaturgo em sala de ensaio.
PT: exercício livre de montagem de qualquer coisa a partir de qualquer estímulo.

Vemos uma estrutura prática altamente interessante e que proporciona uma experiência em que a autonomia se conquista aos poucos, mas que não dá base teórica para além das discussões dos próprios projetos. É claro que em contraponto a isso, quando penso no direção III, vem as frases do Antônio Araújo ecoando... “não é a obra da sua vida”, “não precisa dar certo”, “não precisa ser bom”, “é só uma experiência dentre muitas”...
Já não deu certo. Ok.
Já não é a obra da minha vida. Ok.
Eu já aprendi muito com todo esse processo, pela dor, mas aprendi.

Mas o que, de fato, fica? Um trauma? Um não querer nunca mais trabalhar colaborativamente? Uma rejeição as pessoas, a idéia, a tudo? Um cansaço?

Não estou dizendo que não se aprenda com a experiência e que não tenhamos que encontrar modelos menos caretas para o ensino do teatro, mas eu particularmente sinto falta da caretice de algumas aulas. De abrirmos Minha Vida Na Arte juntos e lermos e discutirmos um parágrafo como

Esse desdobramento entre o corpo e alma os artistas o experimentam e vivem na maior parte da sua vida: do meio dia às quatro e meia durante os ensaios, e das oito às doze da noite, durante os espetáculos, e isto quase todos os dias. Ao procurarmos a saída para essa situação insuportável de uma pessoa exposta a força á exibição pública e obrigada, contra sua vontade e necessidade, a produzir impressão sobre espectadores, recorremos a técnicas falsas artificiais de representação teatral e nos habituamos a elas.

Pego o Stanislavsky quase como uma provocação.
O teatro pseudo-contemporâneo fala desse encenador como seu fosse porcaria ultrapassada, mas nesse trecho – pra mim – ele traz uma questão muito real, viva e presente no meio dia-a-dia e que tem tudo a ver com o direção III do departamento de Artes Cênicas na ECA USP em 2009 que é: E os atores? Onde é que eles ficam em tudo isso?

Sem créditos, trabalhando de livre e espontânea vontade, estando na USP em feriados, ensaiando incessantemente aos finais de semana e pra quê? Isso é colaborativo? Que autoria é essa que estamos reclamando ou de que estamos falando?
Enfim, eu sei que estou misturando muitos assuntos, mas acho que o foco de tudo isso é: como repensar a formação de direção teatral na graduação de forma que não fiquemos tão perdidos? Posso estar fazendo drama ou pedindo colo, mas apesar de todo o aprendizado desse semestre, não sinto que foi nada saudável. Me senti por vezes arrastando dramaturgos e atrizes nas costas. Me senti por vezes, apesar das três aulas de direção no semestre, perdido. E quando me é requerido ler o teatro musical de Meyerhold ou os processos criativos de bob Wilson eu acho tudo lindo e muito interessante, mas aquilo tudo não parece fazer parte da minha realidade de como entender o que é um argumento.
E eu volto a proposta curricular do curso de direção e a pergunta que me vem a cabeça é: tudo isso é em nome de quê, mesmo?
De aprender a trabalhar colaborativamente. De repensar as questões de autoria. Na aula de Antônio Araújo lemos Barthes e Foucault que trazem a discussão sobre autor e autoria.

O autor – ou o que eu tentei descrever como a função autor – é, sem dúvida, apenas uma das especificações possíveis da função sujeito. Especificação possível ou necessária? Tendo em vista as modificações históricas ocorridas, não parece indispensável, longe disso, que a função autor permaneça constante em sua forma, em sua complexidade, e mesmo em sua existência.

A imagem de Foucault é absolutamente precisa: não existe um autor se não existir um sujeito. Uma coisa é pré-requisito para a outra. E como podemos pensar as questões de autoria e colocá-las em debate se ainda não temos discutidas e repensadas as questões dos sujeitos? Não vi isso como pauta de debate em nenhum momento. Fica a dica para o direção III - 2010...
Essas pessoas que estão sendo formadas e que se matam em horas de ensaio tentando achar um argumento, elas estão minimamente formadas enquanto sujeitos?
Posso estar colocando as coisas num nível meio inalcançável e fatalista, mas o fato é que pedagogicamente me sinto impelido a entrar num processo (e, pior, carregar pessoas junto comigo) no qual se os parâmetros já são frágeis para os professores, que dirá para os alunos.
Eu preferia, talvez, passar toda a minha graduação montando textos de dramaturgia pronta e sair da faculdade cospindo fogo de ódio e falando que vou mudar tudo e nunca mais montar dramaturgia pronta, mas estar seguro disso, a me lançar num projeto de arestas frágeis. Não me condenem: não estou falando o que eu preferia em termos de prazer, de achar legal... mas em termos pedagógicos, formativos.
Careta? Talvez...

Utilizo-me então de uma comparação talvez frágil, mas que me serve de base. Nesse ano, desde março, paralelo aos processos de direção II e III, eu fui convidado para dirigir um processo colaborativo que partiria de textos de Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector. Eu não tinha nem passado por direção II quando tudo começou. Não tínhamos dramaturgo, iluminador, cenógrafo... Três atrizes e um diretor-perdido.
Como todos sabem, atualmente os processos de PT tem uma orientação muito fraca que aparece de vez em nunca para assistir o que se está produzindo. Assim, mais livres e com menos baldes de informação na cabeça, ao longo de um ano, com as mesmas crises e abandonos, fizemos um espetáculo e passamos pelos testes de argumento, premissa, workshops...

Nada disso tinha esses nomes técnicos que hoje eu domino um pouco mais... Era tudo mais simples: a gente tem que fazer uma peça com esses autores, mas tem que ser uma peça que a gente goste. Achamos um tema e concretamente passei por todas as fases que passei no direção III, mas elas vieram não como uma lição de casa a ser apresentada na próxima aula: vieram naturalmente, da necessidade de concretizar um projeto. Atualmente, acho muito mais real, sincera e pedagogicamente mais rica a experiência desse PT que dirigi do que do direção III. Não digo que o resultado tenha ficado perfeito, mas ele foi de verdade um trabalho de pesquisa, com mestres e sem uma peça saída a fórceps.
Na semana passada, esse protocolo terminava com um convite para assistir ao Anima que estava em cartaz no teatro Alfredo Mesquita e que tem até blog

www.animapeca.blogspot.com

No entanto, agora que a primeiro temporada já passou (voltamos no TUSP em 2010), gostaria de terminar esse protocolo dizendo que odiei e amei todas as pessoas envolvidas nesse trabalho ao longo do semestre. Todas, mesmo, desde as atrizes, os dramaturgos até os alunos e professores de direção e dramaturgia. E todo esse ódio e amor, me fizeram pensar sobre o teatro que eu quero e que me interessa fazer. A Maria Thaís, desde o primeiro ano, nos instiga a pensar nisso: qual é o meu teatro? De certa forma, Bulhões tenta a mesma indagação com uma pergunta menos pretensiosa: o que você quer do público?

De uma forma ou de outra, não consigo responder ainda a nenhuma das duas perguntas, mas vendo os trabalhos dos outros diretores e o meu próprio, consigo delinear algumas coisas que nesse momento pra mim fazem sentido. A primeira tem a ver com pretensão. Sou muito pretensioso. De uma pretensão que chega a parecer arrogância, mas tem a ver com o fato de eu não ser o tipo de diretor que compro um projeto apenas por achar engraçado ou curioso. Gosto dos grandes temas. E tenho consciência de que foi essa pretensão que me fez ter a maior parte das dificuldades que tive com relação a esse processo, mas pra mim é melhor isso do que entrar num projeto que não me diz nada ou não está em diálogo com alguma questão (e não tem a ver com questões formais, mas de conteúdo mesmo) que esteja me incomodando.

E essa pretensão gerou problemas difíceis com as atrizes, pois falar do corpo em 2009 com pessoas (eu, inclusive) imaturas e que tem questões com o próprio o corpo era quase arrogância. No entanto, foi essa pretensão que me fez descobrir uma outra característica que tem a ver com o “meu teatro”: eu não estou disposto a passar por cima das pessoas, para fazer a peça que eu quero.

E se as minhas atrizes ou atores não se sentirem prontos, um dia, para fazer determinada cena, eu prefiro mudar a peça e o tema, mas não as pessoas, por mais gagas que elas sejam. Por outro lado, acho que é possível sempre trabalhar o máximo para quebrar junto com essas pessoas as barreiras que acharmos necessárias ser quebradas para um trabalho artístico mais potente. O problema é que isso leva tempo, um tempo maior que um tempo de direção III.

Enfim, espero que algo que eu tenha escrito aqui tenha reverberado, para além do desabafo.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O que se pretende?

Na última reunião de três de novembro, foram discutidos vários aspectos que se relacionam com essa pergunta: O que se quer causar no público? Os assuntos discutidos foram entre outros: imagem dialética; nu dialético; fábula; linha rítmica; ápice do ritmo e todos estes são na verdade caminhos para construir o que se pretende com o público. O que se pretende quando você coloca uma imagem dialética em cena? O que é uma imagem dialética e como construí-la? O que se quer causar quando se coloca nu em cena? Como estabelecer uma relação, porque o nu em cena? Porque contar a fábula em cena? Que diálogo se pretende? Como estabelecer a linha rítmica? Acredito que todas estas são questões que encontram respostas na prática, a reflexão vem depois, afinal todas estas perguntas surgiram porque primeiramente elas estão , de alguma forma , em cena na Direção III. Assim na busca de resposta , novas questão foram surgindo, pois devemos lembrar que o Processo Colaborativo, pelo o que eu entendi até agora, se constrói a partir de perguntas os workshops, o recorte, o argumento foram questão que deveriam ser respondidas cenicamente. E agora surge uma nova questão, o roteiro. E onde estão as questões para serem respondidas na construção do roteiro? Pelo o que percebo elas estão, de certa forma, em cena, estão nas imagens, nos nus, na fábula, nos ritmos e agora é a hora de trilhar um caminho com todos esses elementos, ou melhor, todos os questionamentos. Assim o roteiro acaba tendo que responder a pergunta inicial deste texto: o que se que causar no público? O roteiro tem que responder a esta que é uma das principais, senão a principal, questão que devemos ter em mente quando vamos montar uma peça. Como disse antes as questões no teatro encontram suas repostas na prática, a reflexão vem depois, mas é claro que é necessário refletir sobre o trabalho, mas para as idéias deixarem de serem abstrações e se tornarem concretas elas precisam ser colocadas em cena. Assim a idéia de roteiro deve ser posta em cena, como o recorte e o argumento também o foram, pois desta maneira o diretor, que segundo Grotowski é um espectador de profissão, poderá ver o que a cena causa nele, o primeiro espectador, o primeiro público, o que ele sente. Seguindo o pensamento de que no teatro é necessário a prática, me atrevo a falar de um assunto que surgiu nessa última reunião, que foi o problema da disciplina Direção III ser em formato de Processo Colaborativo. Pelo o que foi dito a polêmica surge pela disciplina ser em formato de Processo Colaborativo, pois acaba sendo muito problemática e estressante para todos, mas que processo não é assim? O professor Bulhões apontou possibilidades para melhorar o funcionamento da disciplina, para que os processos se tornarem mais colaborativos e menos estressantes. Eu não sou aluna da disciplina, sou uma simples ouvinte, mas que ao escutar o problema, penso que ele é semelhante a questão do roteiro, pois na medida que o roteiro tenta responder o que se pretende com o público, a disciplina tenta responder o que se quer se com os alunos? Que diretores , atores e dramaturgos se pretende? No caso da disciplina a prática já aconteceu e surgiram resultados que estão sendo avaliados e esta reflexão é de grande importância para buscar responder a questão: o que se quer do aluno de teatro? Penso que excluir o Processo Colaborativo da disciplina de Direção III não seja a saída, ou melhor, seja uma saída mais fácil e visível, uma porta de emergência e não a solução mais elaborada, complexa e difícil. Então devemos nos perguntar: que porta queremos abrir?

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Protocolo da aula on-line de 20 de outubro de 2009, por Tchello Gasparini

Esse é o protocolo de uma aula peculiar: a primeira aula de Direção Teatral on-line do mundo! Pelo menos, eu acredito que seja...
Muito bem, comecemos. Após muitos problemas de ordem técnica – problemas de conexão, skype, etc. – e um problema específico de comunicação – não há horário de verão em Maceió! – finalmente começamos nossa rápida reunião, com apenas quatro dos seis participantes presentes (os outros dois caíram na armadilha do horário de verão). Apesar de ter sido muito mais curta do que o habitual, com duração de menos de duas horas, creio que levantamos alguns pontos muito interessantes.
Ficamos muito tempo discutindo a questão dos dramaturgos dentro dos processos – como se não fizéssemos isso TODOS OS DIAS. A Dani colocou os problemas que tinha com seu dramaturgo, o que causou uma enxurrada de reclamações sobre os mesmos. Creio que seja um problema que todos nós passamos ou estamos passando. A figura do dramaturgo é complicada. Se não é por falta de material, é por excesso de palpite, mas parece que eles estão sempre dando problemas!
Arriscando aqui uma análise tosca sobre essa questão, tenho às vezes a impressão de que o dramaturgo, muitas vezes, se sente deslocado dentro do processo. Afinal de contas, ele não é o responsável pela concepção da obra, pela idéia original, mas é um participante da construção conjunta da mesma. Porém, tanto os dramaturgos com um pouco mais de experiência quanto os completamente novatos – digo assim porque tenho os dois casos no meu grupo – ainda encaram a sua função como célula mãe, como geradora do movimento. Talvez esteja viajando aqui, mas essa impressão se reforça quando os mesmos assumem o papel de dramaturgistas. Já ouvi coisas como ‘mas eu venho aqui pra ficar escrevendo o que os atores escrevem?’. Isso, para mim, me dá a impressão de que esses dramaturgos em formação não tiveram uma preparação para se lidar com processo colaborativo, como nós, diretores em formação, temos dentro desse departamento. Acho que ainda existe um receio dos dramaturgos, um medo de não serem necessários, de que a função deles ali não faz muito sentido. Eles ainda continuam com a idéia de escrever em suas ‘torres de marfim’, e encaram o dramaturgismo como função menor, de um simples ‘copista’.

(...) os espetáculos produzidos em processo colaborativo nascem de um projeto pessoal do diretor, que reúne a partir de então a equipe de que necessita para empreender a criação. Cabe perguntar se a poética do processo colaborativo vem conseguindo efetivamente negar o “ator-linha-de-montagem” (Araújo, 2002, p. 42), e transformá-lo em sujeito, se a função autor tem tido condições de se formar na prática daqueles que nomeiam colaborativo o processo que empreendem.

Voltando ao caso da Dani: o dramaturgo não entrega material, e quase sempre, encara o workshop dos atores como cenas prontas, que não precisam ser mexidas, que já devem fazer parte da obra da maneira que elas surgem. Isso pode soar como preguiça ou falta de interesse por parte dele, mas como levantamos esse ponto na aula, acho justo enxergarmos outro lado da questão. O Miguel tem um pé forte na licenciatura. Isso é claro em suas conversas, seu modo de se expressar e no tratamento dado às pessoas com as quais ele trabalha. O interesse do Miguel talvez seja mais o processo de aprendizado do que a obra em si, o que realmente o toca é observar e participar de um processo de criação e formação de indivíduos. Acho que, desde que vi a segunda cena do Miguel em direção I eu tive essa impressão. Portanto, ele tende a supervalorizar o material trazido pelos atores. É claro que eu estou tornando rasa a questão, e também não acho que isso justifique o fato de ele não estar trabalhando com o que foi proposto. Como sempre dizemos, processo colaborativo exige um estado constante de jogo, e todo jogo necessita de regras. As regras dadas à função ‘dramaturgia’ devem ser cumpridas, e isso inclui papel, caneta, computador, máquina de escrever, etc.
Como sugestões de procedimento, Bulhões recomendou algumas coisinhas que podem ajudar na lida com o material dramatúrgico e com o(s) próprio(s) dramaturgos.
Em primeiro lugar, que se deixe claro para todos os membros do grupo o cronograma de ensaios. O que será trabalhado, quais cenas em tal dia, etc. Recomendou que esse roteiro seja combinado semanalmente, fechado e passado a todos os integrantes do grupo. Tendo isso feito, combina-se com o dramaturgo uma data semanal de entrega de versões provisórias do roteiro. Como exigência, o roteiro deve ser entregue por completo, mesmo que não esteja tudo criado. Mesmo que o dramaturgo descreva uma idéia primária de cena no papel, isso deve ser entregue como obra completa toda semana para toda a equipe.
Aproveitando a ‘vibe’ cibernética, Bulhões também sugeriu o que ele chamou de ‘roteiro compartilhado’. Seriam essas mesmas versões do roteiro, colocadas na internet, disponíveis para a equipe por e-mail ou por site, por blogs. Essas versões podem ser modificadas por qualquer membro da equipe, e depois as modificações voltariam à Mao do dramaturgo, que faria uma nova versão a partir disso, etc.
Quanto às cenas improvisadas – que muitos de nós temos em cena - surgiu também uma sugestão de escritura de roteiro para os dramaturgos. O texto seria escrito em duas colunas; na primeira, uma espécie de canovaccio, um roteiro de improvisos. Na segunda coluna, frases ‘de efeito’ que o dramaturgo pode colocar a partir das improvisações dos atores. Sugeriu-se também a possibilidade de se filmar os processos, com a finalidade de auxiliar a equipe a relembrar o que foi feito no ensaio anterior.


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O que você anda vendo/assistindo/lendo/...?
Vou tentar responder agora, e mostrar algumas coisas a vocês:
OUVINDO:
• Naked City
• Orquestra Mediterrânea
• Natural Born Killers OST
VENDO:
• Anticristo
• Natural Born Killers
• Monthy Phyton
• Cartier-Bresson
• Dave McKean
LENDO:
• Sandman, Gaiman
• Monstro do pântano, Moore
• Alice no País das Maravilhas, Carroll
• In nomine Dei, Saramago
• Contos extraordinários, Allan Poe


Agora, antes de encerrar esse protocolo, gostaria de pedir ao Bulhões que explicasse melhor esse modelo de dramaturgia por justaposição, do livro Gerald Thomas em cena, que foi citado durante a aula, e que não tive tempo de ler sobre.

Muchas gracias.

Rainha{S}ummer - Sol, suor e sundown.


Anne, Maria Edith e a Torre


Lucrécia de olho no trono de sua filha Maria Edith


Ama-Manda (arrasando de shortinho) diverte as rainhas e o diretor.


Sexy power e Suor


Contra-regra pesquisador, muito obrigado aos amigos pilotos da FAB. Super pontuais.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Máquinas Honestas

“Relembrar os acordos.
Antes de pensar nos egos é necessário pensar na obra!
O que o público vai receber?
A pedagogia tem o limite do artístico.
O teatro e o público como final, a política da recepção!
O que importa é você ser honesto!
Célula dramatúrgica em potencial as possibilidades de signos, da metáfora.
Para quem você está servindo?”

Essas são frases, ou melhor, são questões e apontamentos que foram debatidos na última aula de terça-feira e que ficaram rodando na minha cabeça essa semana. Penso talvez que um dos apontamentos que perpasse todos os outros é: “O que importa é você ser honesto!” Acho que nesse ponto reside uma fundamentação para a criação artística, pois ao sermos honestos com os outros e com nós mesmos estamos sendo honestos com a obra se preocupando com a obra, com o resultado final, estamos sendo honestos com o público o que é o mais importante! É necessário saber jogar limpo, estabelecer um jogo limpo, consigo mesmo, com os colegas de trabalho, com a obra e assim com o público. A obra como resultado final, interessa para quem for recebê-la como produto artístico que seja significativo que apresente metáforas, com a célula dramatúrgica, com os signos visuais, com os atores, com o som, com a luz, enfim que possibilite ao espectador uma experiência única e esse tem sido o objetivo dentro da disciplina de direção III. Contudo como é possível construir uma obra, em um tempo reduzido, com pessoas que na maioria das vezes tem objetivos distintos com o trabalho? É complicado, mas ninguém disse que seria fácil, por isso acredito que ser honesto se torna a base para um trabalho eficiente que apresente um resultado razoável. Esta se chegando ao fim dos processos e as obras estão se encaminhando para um fechamento, por isso ainda há tempo de ser mais honesto, de reinventar o jogo com regras claras, pois o objetivo está se tornando cada vez mais o mesmo para as pessoas, na medida que se torna mais visível para todos os integrantes do trabalho. Vejo a obra teatral como uma grande maquinaria na qual todos os elementos necessitam estar funcionando em uma ordem precisa e nesse sentido a função do diretor é fundamental, pois é ele quem orquestra essa maquinaria de signos, de metáforas, de sonhos, de realidades, de pesadelos, de memórias, para assim apresentar uma máquina que funcione aos olhos do espectador. Máquina essa que não seja como as máquinas comuns que jogam sujo, que facilitam a vida das pessoas, mas que sejam máquinas honestas, que estabeleçam um jogo limpo provocando assim o espectador a ser um jogador. Como disse logo acima, ninguém disse que seria fácil, assim é necessário coragem e força para seguir, assim termino com uma citação de Rollo May :

“Os artistas são portadores da capacidade humana, antiga como o mundo, de se insurgir. Adoram mergulhar no caos para nele criar a forma, do mesmo modo que Deus criou o mundo.”

MAY, Rollo. A coragem de criar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Protocolo 8

Passamos da metade, passamos da metade do tempo proposto pela disciplina de Direção III de vivenciar a direção em um processo colaborativo. Dois meses atrás a metade nos parecia tão distante mas agora nós já passamos dela. Aquele papo de recorte e argumento me da um gosto de nostalgia e saudades perto dos outros problemas que apareceram, mentira, isso sou eu sendo dramático, mentira, é a mais pura verdade, mentira... é que a convivência em grupo e as discussões sobre autoria me fez esquecer o meu próprio ser, eu sinto que eu estou vivendo um fluxo, tem hora que as coisas fazem sentido e tem hora que o sentido define um recorte temático, mas também tem horas em que o recorte temático é uma coisa que não faz o menor sentido.


“O devir é involutivo, a involução é criadora. Regredir é ir em direção ao menos diferenciado. Mas involuir é formar um bloco que corre seguindo sua própria linha, "entre" os termos postos em jogo, e sob as relações assinaláveis.

...

Devir é um rizoma, não é uma árvore classificatória nem genealógica. Devir não é certamente imitar, nem identificar-se; nem regredir-progredir; nem corresponder, instaurar relações correspondentes; nem produzir, produzir uma filiação, produzir por filiação. Devir é um verbo tendo toda sua consistência; ele não se reduz, ele não nos conduz a "parecer", nem "ser",nem "equivaler", nem "produzir".”

Gilles Deleuze e Félix Guattari em Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia vol.4. P.15.

O devir é a mudança recorrente, é flutuar no mundo dos recortes e argumentos, é tomar decisões de forma intuitiva porque não tem nenhum material concreto para fazer dela racional. É andar cegamente com a galera sem saber onde vamos pisar, vislumbramos algo mas não temos nenhuma certeza. E tem mais uma coisa, como diretor e propositor desse projeto eu posso ser líder do grupo mas eu não sou o messias! Já larguei mão da África, das rainhas e to fazendo Monty Phyton na praça do relógio! Me respeita!... Não, na verdade o projeto é rainhas na praça do relógio, é meu caro o mundo da voltas... a 2 meses atrás eram sete rainhas inglesas, a 1 mês e meio eram 6, depois ficou 1 rainha Frankenstein , e agora eu tenho uma rainha paulistana, uma mineira e uma paraense.

Escrevo tudo isso por causa de um assunto do nosso ultimo encontro, a atitude de grupo, esse é um pré-requisito para o colaborativo, e se você vai se matricular na disciplina e ainda não tem, ah, você vai ter nem que tenha que o engolir. E quando eu falo da atitude de grupo eu me refiro tanto aos coletivos que se denominam como tal mas também ao grupo de pessoas que se reúne em pró de um trabalho especifico. Na verdade eu minto em falar que é um pré-requisito porque a atitude de grupo é algo que se descobre durante o processo, como você se porta com toda sua equipe? Como um vocabulário comum é construído? Como estabelecer limites em conjunto? Como fazer análise critica dentro de um coletivo? Como fazer a autocrítica? Enfim como não mentir para si mesmo para não caminhar em direção ao inferno?

Eu concordo com o meu diretor no processo em que eu estou como ator; “as parcerias estão aí, simplesmente estão e não devem ser o foco e sim o trabalho deve ser o motivo dessa união, dessas parcerias” e é verdade o que o Rodrigo fala, não tem porque se unir só por se unir, isso não é uma festa, é um trabalho de criação artística, o que não tolhe suas possibilidades festivas.

Na ultima terça Pedro colocou em pauta a interferência do dramaturgo no processo. Ele deu o exemplo de quando seu dramaturgo escreveu uma cena que envolvia nudez e masturbação e de como suas atrizes não quiseram improvisar o texto, fizeram uma paródia em cima do que ele tinha escrito. Perguntamos o porque dessas recusa em improvisar, o texto era ruim? Não era “improvisável”? O que então? Era falta de confiança no dramaturgo homem em um grupo cheio de mulheres? Duvidaram de suas intenções com essa cena? O que causou esse problema? Esse tipo de pergunta nunca tem só uma resposta nesse tipo de processo, analisar os problemas envolve além de escutar as diferentes vozes, tentar enxergar o devir desses corpos, o que é interessante para nossos estudos só que na prática a solução não é ficar imerso no passado recente procurando porquês e sim não perder o tempo de ensaio e botar as coisas pra andar, o tempo é curto e nós já estamos em Outubro, as coisas tem que estar claras, a comunicação tem que ser direta o que tem que ser dito deve ser dito, e o que pode esperar vai esperar. É uma sensação que eu tenho ouvindo as discussões.

Essa questão específica do Pedro desencadeou outra discussão mais específica da cena; a relação das pessoas com o corpo. O corpo é um tabu realmente, o desnudar está encoberto de mistificações, mentiras e histórias, sendo que o corpo nu é simplesmente uma pessoas sem panos, não é bizarro? Mas eu não posso julgar, também tenho uma veia pudica e demoro muito pra tirar minha roupa em cena, quase nunca o faço mas quando acontece... enfim travas se liberam, mas se os atores precisam de tempo e espaço para explorarem a proposta e suas necessidades. A sala de ensaio é o melhor lugar, as coisas que ali são feitas devem ser tratadas com respeito, nossos parceiros não precisam ser expostos e em situações de desconforto as coisas que ali acontecem não devem ser ditas pra quem não faz parte daquilo, a não ser em nossas aulas bafão de terça.


Pamela Anderson por David LaChapelle


Também discutimos a questão da inteligência emocional necessária num processo como esse. Inteligência emocional? Sim, capacidade de – retomando de novo o assunto – lidar com as pessoas, saber ceder, discutir, olhar com respeito o trabalho e quem faz parte dele, enfim quem não tem não consegue conviver em grupo, por isso grandes gênios na maioria das vezes são intratáveis, eles não cedem e não discutem e só aceitam as coisas do jeito deles. Mas afirmo que o número de “gênios” nos dias de hoje é cada vez menor, mesmo existindo muitas pessoas que se acham geniais e que por isso se dão o direito de chutar a bunda todo mundo que está na sua frente (eu dedico esse espaço pra todos pensarem em alguém).

“É sob esse ângulo de utilização da mágica,de feitiçaria, que é preciso considerar a encenação, não como reflexo de um texto escrito e de toda essa projeção de duplos físicos que emana o escrito, mas como projeção ardente de tudo o que pode ser tirado de conseqüências objetivas de um gesto, de uma palavra, de um som, de uma música e das suas combinações entre si. Esta projeção ativa não se pode fazer senão em cena e as suas conseqüências encontradas diante da cena e sobre a cena; o autor que usa exclusivamente as palavras escritas não tem aí que fazer, e deve ceder seu lugar aos especialistas desta feitiçaria objetiva e animada”.

Antonin Artaud, O Teatro e Seu Duplo.

E por ultimo eu vou retomar a questão da dramaturgia no processo colaborativo, ouvindo nossas discussões eu percebi que a dramaturgia, ou melhor o dramaturgo se tornou um problema, como lidar com uma pessoa que na sala de ensaio é potencialmente muito autoral ou potencialmente a mercê dos outros, e lógico na maioria dos casos eu percebo dramaturgos autorais, principalmente aqueles que também são diretores. Agora, fazendo o jogo que o Bulhões propôs na aula passada ao Pedro, de se por no lugar deles, eu acho que o dramaturgo desses processos enfrentam grandes problemas, um, o curso de dramaturgia no CAC é muito escasso, dois, eles estão correndo atrás dos diretores e seus temas e três, eles são uma peça fundamental no processo, principalmente no inicio e parecem não saber disso. E apesar de todos os problemas eu vejo que os grupos estão tentando lidar com esse problema e não esconde-lo. Mas Bulhões, você deveria fazer tutorias com eles também, eu tenho certeza que a Mari, minha dramaturga ia adorar sua aula, eles precisam de mais respaldo. Respaldo o suficiente para os fazer escrever e o insuficiente para os fazer dirigir.

Enfim, meu protocolo “devir” foi uma tentativa de seguir o fluxo da aula através da minha memória do que ela foi, na verdade eu nem considero aula e sim reuniões, um espaço pra reflexões sobre o processo no qual tentamos olhar criticamente pra ele. Da medo. Me avisem das minhas faltas, não consigo escrever mais e daqui e a pouco eu fico pedante então eu paro por aqui.

Beijos.



quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Convite

como alguns já sabem, esse ano eu fui convidado pra dirigir um PT de Interpretação de uma aluna no quinto ano, a Sophia Aloha. posso dizer que foi um colaborativo, mas um colaborativo instintivo: não tinhamos dramaturgos, eu era ainda mais inexperiente que sou hoje... o que importa é que a peça tá quase pronta e estreamos agora dia 14 de outubro no CAC. fizemos um blog da peça que é www.animapeca.blogspot.com .

a dramaturgia é minha e das atrizes, baseados em vários textos, mas principalmente em Um Sopro de Vida da Clarice Lispector e no As Horas do Michael Cunningham. a dramaturgia é ainda entrecortada por textos da Hilda Hilst, Virgínia Woolf e Caio Fernando Abreu.

conto com a presença de vocês e com comentários futuros no blog.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

amanhã, terça feira, confirmo que estarei disposto a uma coversa on line, via skipe, de preferencia com video, conforme combinamos na semana passada, para às 10 horas da manhã, no endereço marcos.bulhoes2. Quem quiser participar, será bem vindo. Espero que tenha sido boa a tarde de hoje.

domingo, 18 de outubro de 2009

Caos

Quem tem medo da encenação? Quem nunca teve medo diante da encenação? Essa pergunta ficou em minha cabeça desde a última aula, pois o medo é chave de vários problemas e de certa forma de soluções também, pois é a partir do medo que o ser humano se move em direção á algo. Acredito que todos tanto diretor, como dramaturgo, com os atores sentem medo diante do processo, diante de seus trabalhos dentro do processo. E como produzir com medo? E quando o medo é coletivo? São questões que perpassam os processos criativos, pois penso que a criação em algum sentido é uma resposta ao medo do homem sobre certas questões e o artista vai e remexe e coloca para fora o medo que não é só dele, mas do homem. O Bulhões, falou na última aula sobre o problema de não tornar a encenação “atorcentrista”, o que acho válido, mas também não podemos transformar, penso eu, a encenação em “diretorcentirsta” e nem em “dramaturgocentrista”, pois como o próprio nome diz o processo é colaborativo e o medo é coletivo. Então como mergulhar verticalmente, tanto ator, diretor, dramaturgo e técnicos? Como mergulhar no medo para extrair dele algo novo e precioso?Não sei, mas acho que sempre que partimos de nos mesmos para descobrir algo, estamos buscando uma comunicação não só com os nossos desejos, angústias e medos, mas com o outro que de certa forma sente o mesmo que agente, em proporções diferentes. Então penso como é possível partir de você mesmo e ao mesmo tempo escutar e se comunicar com os outros que estão no mesmo barco que você, seus colegas de trabalho? É preciso ser muito sensível para conseguir ouvir os outros e a você mesmo, é preciso saber ser político, como disse Bulhões. Segundo do dicionário Michaelis de língua portuguesa, política é a arte ou ciência de governar, então não é isso que um diretor precisa? É preciso então fazer um processo político dentro do caos chamado medo? O que nos resta é gritar... Por isso aí vai O Grito de Edvard Munch

sábado, 17 de outubro de 2009

PROTOCOLO SÉTIMO

referente ao encontro de 29 de Setembro de 2009

Se o novo teatro torna-se dinâmico, então que ele o seja completamente. Queremos nos reunir para criar, para “agir” em conjunto, e não somente para contemplar.
MEYERHOLD, Vsévolod. [1]

O tema é complexidade.
Por vezes nascidas de improvisos com estímulos diversos, as cenas produzidas no colaborativo trazem em si um discurso simplório. Como discurso entende-se aqui o sentido da cena que pode ser textual-verbal, imagético, musical, plástico, etc... Assim, caberá também ao diretor ajudar a criar camadas de complexidade para estas cenas, para que o discurso não seja unívoco. Quantas vezes um ator não diz “eu te amo”, vestido de vermelho, com uma música romântica, com uma caixa de bombons na mão quando você pede a ele uma cena sobre o amor?
Pensando sobre esse ponto da complexidade do discurso, acho que o diretor pode atuar em duas frentes. A primeira é no ato de pedir o improviso, porque a forma como se pede uma cena se relaciona quase sempre diretamente com seu resultado. Isso pode parecer óbvio, mas geralmente uma cena simplória nasce de um pedido de improviso simplório como “improvisem sobre o amor”, o que reforça a idéia exposta no protocolo quinto de que a forma com que o improviso é pedido é fundamental para o desenvolvimento do trabalho.
Outra frente de atuação é na crítica à cena e na forma de pedir uma reformulação da mesma tanto para o ator, no caso dele refazê-la, quanto para o dramaturgo, no caso de pedir ao dramaturgo que se aproveite da cena feita pelo ator para construir uma outra, mais complexa, e com diferentes camadas de leitura. Fazer, por exemplo, com que a cena do improviso sobre o amor possa vir, numa nova visada, com um ator dizendo “eu te amo”, mas desta vez em cima de uma vaca, com uma coroa na cabeça e com um punk rock de fundo.
O exemplo é banal, mas serve pra discutirmos um procedimento muito discutido em nosso encontro: o estranhamento. Como nós estranhamos uma cena? O que, diabos, Brecht queria dizer com isso? Definimos estranhamento aqui como o procedimento de justapor, em cena, camadas de discurso que não dizem a mesma coisa, que criam ruído, conflito... Um conflito que não necessariamente precisa ser resolvido, mas cuja potência de sua pulsão dê ao espectador margem para imaginação, para distanciar-se criticamente do modelo dramático, enfim, para pensar. Uma cena cujo sentido não é de revelação de idéias, mas de exposição de contrastes.
Essa idéia se relaciona diretamente com as práticas mais contemporâneas do fazer teatral que pressupõem a pedagogia do espectador [2]: uma cena que deixa em aberto o problema, expõe a ferida, sem curar. Mas como colocar ponto de vista numa cena destas? É possível estabelecer uma opinião clara, numa cena em que a idéia é substituída pelo espaço que é deixado entre idéias?
Para isso, recorro às idéias de um encenador de cujas idéias Brecht bebeu na fonte, ainda que não pudesse dizer: Meyerhold. Um movimento interessante de se observar na poética desse encenador russo, mais precisamente a partir de 1917, é o seu engajamento político aliado a um projeto artístico absolutamente preciso.

O Outubro das artes significa lutar contra a tendência puramente educativa, que lança o proletariado à mercê da ideologia feudal e burguesa.
O Outubro das artes significa buscar formas adequadas ao conteúdo vulcânico de nosso tempo. Viva ao grande Outubro das Artes!
idem. p.202

Walter Benjamin, um dos amigos mais próximos de Brecht e um de seus maiores estudiosos, notou que os atores de Meyerhold eram únicos porque podiam simultaneamente atuar e pensar. Da tomada de consciência do ator para a do espectador há uma linha muito tênue que configura um círculo de mútua interação e criatividade.
EATON, Katherine [3]

É óbvio que para isso não existe fórmula, mas no projeto de Meyerhold encontramos inspiração para um teatro ao mesmo tempo político e responsável por trazer à tradição russa características épicas/estranhadas de uma cena que o encenador foi buscar nas tradições populares e orientais. Elementos de uma cena musical e grotesca. Meyerhold, nos Textos Teóricos, afirma que se o teatro da convenção exclui a ribalta deixando a interpretação do ator ao ritmo da dicção e dos movimentos plásticos, obrigará o espectador a um exercício de escuta, a uma participação ativa[4], a um esforço que em última instância é também político.
Daí lembramos a diferença entre dialética e dicotomia, ou seja, a questão não consiste em dar os dois lados da moeda, mas em criar ruído na colocação de camadas de discursos que, em choque, criem uma fricção potente. Mas será essa a única maneira de estranhar? Ou melhor, será o estranhamento a única maneira de fugir de uma cena unívoca? O próprio Brecht enumera em seus textos outros procedimentos como songs, rompimento da quarta parede, elementos do grotesco, etc... No entanto, se entendermos estranhamento de uma maneira genérica, podemos dizer que é uma boa palavra para definir essa sobreposição de discursos. Como disse Chiquinho Medeiros em uma das aulas de Intepretação esse ano, o teatro não existe mais para dar respostas, mas para fazer perguntas.

No encontro falamos da estrutura do colaborativo não como um sonho utópico, um tipo de projeto que tem forma definida e que todos devemos atingir, mas como uma realidade concreta: o curso de Direção Teatral III do departamento de artes cênicas da ECA/USP. Um processo colaborativo em que só o diretor e o dramaturgo estão sendo avaliados, feito em quatro meses, com atores que estão ali ou por amarem as pessoas ou ao projeto. Um processo colaborativo dentro de um curso de diretores que nunca fizeram dramaturgia na vida, que não tem idéia do que sejam um “argumento” ou uma “premissa”. De diretores que acabaram de sair de um processo mais centralizador, autocrático, com um texto clássico do qual nós não podiam mudar uma vírgula.
Aqui estamos. Sem drama, mas em crise.
Por quanto tempo poderemos improvisar livremente sem termos um Norte? Onde está o Norte? O diretor é quem define, cada um escolhe o seu? É possível definir junto? Como eu faço para transformar essas improvisações numa cena? Eu escrevo um roteiro ou peço para o dramaturgo escrever?
Tenho a sensação de que os ensaios mais produtivos são os menos colaborativos. É normal ou eu tô doente? Mas o que, diabos, é ser colaborativo? Parecem perguntas iniciais, dignas de um primeiro protocolo, mas são perguntas que freqüentemente retornam e voltam com uma força cada vez mais avassaladora porque o tempo pressiona sempre e indistintamente para frente e quando vemos faltam oito semanas para o semestre acabar.
Chegamos então a uma pergunta que nos parece mais justa: que colaboratividade é possível neste processo de direção III do CAC? Uma colaboratividade a lá Vertigem? Ou a lá Latão? Ou a lá Cia Livre? Grupo XIX? Cia dos Atores? Nenhum deles provavelmente.

Estudo de caso.
Nessa semana uma atriz veio conversar comigo e pediu que eu, não os dramaturgos (e isso ela deixou claro), escrevesse um texto pra ela dizer na cena dela, e então me descreveu como ela estava pensando a cena. Fiz e ela adorou, o que produziu uma cena que poderá ser germe para uma cena muito boa no futuro, mas alguma coisa dentro de mim me disse que eu burlei as regras, passei por cima dos dramaturgos e... Enfim, sem culpa. Mas aí, em ensaio, com o dramaturgo presente, eu e os atores começamos a esboçar um roteiro do que tínhamos. Ficamos animados ao ver uma peça surgindo. Tinha espaço pro dramaturgo entrar, ele estava presente e eu freqüentemente perguntava coisas a ele que vinham em respostas lacônicas. Um primeiro esboço de roteiro se fez, sem muita interferência do dramaturgo e mais uma vez me senti um trator que passava por cima de qualquer colaboratividade possível.
Quem, afinal, abre o espaço? O espaço para falar, opinar, estava ali, aberto, claro. Mas a resposta foi silêncio. Eu perguntava o que ele achava... e nada. Logo depois conversamos, ele disse que não entendia direito a metodologia de trabalho e que não falou nada porque se sentia contemplado pelo que os outros disseram.
Quanto à história de metodologia, tem a ver com ele ter vindo do cinema, de fazer roteiros de filmes, onde tudo é mais quadrado, não existe colaboratividade e a própria estrutura dos argumentos são mais dramáticas e psicológicas. Sabendo disso, desde o começo tenho me esforçado para incluí-lo nesse outro tipo de procedimento que nem eu conheço. Mas até que ponto eu vou ter que bancar o “tio de artes” que tenta incluir até mesmo os que não se esforçam para ser incluídos? Sinto que não tenho didática e nem tempo pra isso.

Ainda é colaborativo se os atores e o diretor, juntos, fizerem a dramaturgia? Eu penso que sim e lembro-me da experiência de Rainha[(s)] – duas atrizes em busca de um coração, espetáculo dirigido por Cibele Forjaz com Georgette Fadel e Isabel Teixeira. Partindo do Maria Stuart de Schiller, duas atrizes e uma diretora escreveram uma peça “com o sangue de seus corações ralados” e, colaborativamente, fizeram uma peça que fala da dificuldade de ser mulher-Rainha.

http://www.youtube.com/watch?v=XRi5yPlRZJ8

Sem pretender aqui fazer uma crítica do espetáculo, Rainha[(s)] constitui-se numa experiência fantástica principalmente para alunos de Direção porque o espetáculo se revela como tal e basta um olhar um pouco mais aguçado para ver ali os recursos de encenação de que Cibele Forjaz lança mão para dizer através do texto de Schiller o que ela e aquelas duas atrizes quiseram dizer sem, porém, nenhum rebaixamento poético ou político da peça. Uma experiência, aliás, que comparada à recente montagem textocêntrica de Maria Stuart por Antonio Gilberto, atualmente em cartaz no SESC Consolação, revela as diferenças de propósito e de utilização de um mesmo texto em dois processos absolutamente diferentes.

http://www.dzai.com.br/diversao/video/playvideo?tv_vid_id=57112

Cito as Rainha[(s)] também porque esse ano estou passando por uma experiência parecida quando fui convidado, no começo do ano, para dirigir duas atrizes numa peça que nós mesmos escrevemos e que estréia mês que vem. Não estou dizendo que seja uma fórmula, nem que assim seja mais ou menos dolorido e nem que eu tenha desistido dos dramaturgos. A crise existe de qualquer forma e ela é sempre de ouro, mas apenas a título de exemplo penso em maneiras de compor o colaborativo de outras formas que sejam verdadeiras para as pessoas envolvidas no projeto, porque, afinal, qual é o motivo de se fazer um colaborativo?
No curso de Direção, uma ferramenta pedagógica. Mas historicamente, no Brasil

[...] os grupos aumentaram em número, contrapondo-se aos chamados “elencos” - artistas reunidos para uma determinada montagem e que, ao final da temporada, dispersavam-se, indo em busca do próximo trabalho. Redescobriu-se o aspecto ritual e coletivo do teatro, com franca inspiração em Antonin Artaud, Jerzy Grotowski e no grupo Living Theatre, e o aspecto lúdico despertado pelos jogos e improvisações. No aspecto político, uma produção eminentemente grupal representava uma espécie de “democratização” da arte: ela era criada por e para as massas, estimulando a produção cooperativada pelos artistas envolvidos, que puderam libertar-se da figura do produtor e, conseqüentemente, da necessidade de se fazer um teatro dito comercial.
NICOLETE, Adélia. [5]

Nesse sentido, volto à pergunta do início que é: que colaboratividade é possível? Que colaboratividade queremos para esse processo nesse momento? Para concluir pensei em um texto filosófico que embasasse nossas últimas reflexões, mas não encontrando cito abaixo um trecho de E a carne se fez Verbo que eu leio sempre em processo sob a justificativa de acalmar os ânimos, afinal, se até o Teatro da Vertigem se dá ao luxo de entrar em crise, nós também podemos.

Quando será que essa dramaturgia vai ficar pronta? Quando será que vamos parar de reescrever esta cena? Algum dia esse roteiro vai ficar bom? O prazer de trabalhar com dramaturgos antigabinetes, antitorres-de-marfim. Generosos e arrojados. Sem preguiça de ouvir as necessidades que nascem na sala de ensaio, sem pudor de jogar seu texto fora se a cena assim o pedir. [...] Vontade de ir embora, vontade de que o outro vá embora. [...] Quando é que você vai entender que essa peça não tem fumaça?
ARAÚJO, Antônio [6]

[1] Textos Teóricos. Imprenta de La Comunidad de Madrid. Madri – 1992. p.174
[2] Termo usado por Flávio Desgranges em seu livro homônimo.
[3] The Theater of Meyerhold and Brecht. Contributions in Drama and Theatre Studies, n.19. Greeword Press. London. E-book disponível a julho de 2008 em www.questia.com
[4] MEYERHOLD, V. Textos Teóricos. Imprenta de La Comunidad de Madrid. Madri – 1992. p.173 -177.
[5] Criação coletiva e processo colaborativo : algumas semelhanças e diferenças no trabalho dramatúrgico. Sala Preta, São Paulo, v. 2, n. 2, p 318-325, 2002.
[6] E a Carne se Fez Verbo. In: NESTROVSKI, Arthur (Ed.) ; ARAUJO, Antonio. (Org.). Trilogia Biblica - Teatro da Vertigem. 1ª ed. São Paulo: Publifolha, 2002, v. 1, p. 81-85.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

http://desesperoemcena.blogspot.com

terça-feira, 29 de setembro de 2009

PROTOCOLO 6

Que música belíssima ouço no profundo de mim. É feita de traços geométricos se entrecruzando no ar. É música de câmara. Música de câmara é sem melodia. É modo de expressar o silêncio. O que te escrevo é de câmara.
CLARICE LISPECTOR, Água viva, Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p. 43.





Compor, composição, compositor.
Como por? Qual posição? Como compor?
Inserir e redescobrir. Tirar e reencontrar.

Música, imagem, texto, som, poesia, fala, barulho, cor.
Silêncio. Pausa. Discurso. Discurso. Pausa.
Silêncio.





Iniciamos a aula discutindo a questão da composição cênica. O jogo estabelecido entre imagem, texto e música. Criar um ambiente possível de imersão para o espectador, e não estou falando de um campo do pensar, mas sim permitir uma submersão na ação cênica. Quais as ferramentas utilizadas para alcançar esse estado de presença do espectador que ultrapassa o pensar instantâneo? Como encontrar a fronteira entre o logocêntrico e o abstrato? Uma fronteira extensa. E, possivelmente, sem fim.


-Composição Poético-musical

Pensamos então sobre a concepção e situação poético-musical da cena. Não só a música colocada no rádio ou cantada, mas a sonoplastia como um todo que junto com a fala cria uma musicalidade da cena.

Tal musicalidade pode ser composta por ruídos, barulhos, falas e principalmente o silêncio. É a atmosfera sonora da cena. São esses caminhos, dentre outros, que criam uma ambientação e transportam-nos para outro estado de presença que não a lógico cartesiano.
É descobrir como uma fala gera a poesia. Como uma poesia soa um som. Como um som gera a fala. Ou seja: a fala como poesia; som como poesia; e a poesia como som.

O espectador estará imerso num ambiente, escutando barulhos e ruídos, palavras e música, falas e silêncio. A sonoplastia como um todo que transporta esse espectador para esse “tal” outro lugar.

-Composição Imagética




Kandinsky



Quartett - Bob Wilson



A imagem nos transporta para outro lugar. Como utilizar da máxima potência imagética? Esquecemo-nos que existem meios tecnológicos para essas imagens terem uma potência eficaz para o espectador. A sensação de teatro pobre¹ nos permeia.

Como exemplo, temos os teatros gregos que usufruíam as mais diversas “multimídias” da época para os maiores e melhores efeitos. Contudo o que permaneceu na história, principalmente pela herança do logocentrismo acadêmico-universitário Renascentista, foram os textos de Sófocles. Ainda carregamos esse “peso” do texto e esquecemos que as mais diversas mídias estão para nos auxiliar e compor a potência poética da cena.




[1].Teatro pobre no sentido de ser pobre: vazio de sentido, roupas rasgadas, apenas conter um cajado como objeto de cena. E não “teatro pobre” contextualizado e defendido por Jerzy Grotowski.






Todas as artes têm um raciocínio, uma lógica estrutural. Há de se estudar essas lógicas em diversos parâmetros para iniciar um entendimento do acontecimento seja musical, visual ou cênico, o acontecimento artístico.

O pintor Wassily Kandinsky, como exemplo, trabalha com suas teorias filosóficas da cor e com a abstração das imagens. Suas pinturas tiveram também uma influência da música do compositor Arnold Schönberg, companheiro do seu trabalho por alguns anos. Percebe-se que não só nas artes cênicas há uma composição, a pintura já ultrapassa a composição das tintas. Vê-se música e poesia nos quadros de Kandinsky.

Na imagem viva cênica tais fronteiras de composição não tem fim...

Vemos em Bob Wilson a imagem repleta de cores e exatidão. A demora para montagem de um palco e afinação dos refletores nos mostra que a imagem ainda tem sua importância e vigor. No jogo de luz, cor e desenho da cena o encenador nos encaminha para uma presença, como espectadores, que ultrapassa o logocentrismo.


"A cor ajuda a exprimir a luz; não o fenômeno físico, mas a única luz que existe de fato – a do cérebro do artista.

Cada época traz consigo sua luz própria, seu sentimento particular do espaço, como uma necessidade. Nossa civilização, mesmo para quem nunca andou de avião, trouxe uma nova compreensão do céu, da vastidão, do espaço.

(...) Mas o desenho e a cor não passam de uma sugestão. Por meio da ilusão², eles (artistas) devem provocar no espectador a sensação de posse das coisas. Mas isso só ocorre na medida em que o artista é capaz de se auto-sugestionar e de passar essa sugestão para sua obra e para o espírito do espectador. Há um provérbio chinês que diz: quando desenhamos uma árvore, devemos, ao mesmo tempo, sentir que estamos crescendo."


HENRI MATISSE – “Escritos e conversas sobre a arte”. A pintura, vol. 9: O desenho e a cor, São Paulo, editora 34, 2006




A visualidade, como no caso de Kandinski e de Bob Wilson, cria uma identidade artística. Conseguimos enxergar os artistas em suas obras. Essa identidade, espontânea e verdadeira, é um princípio para exprimirmos aquilo que realmente nos pertence, e não só colocarmos em cena aquilo que pensamos sobre.



[2]. Deve-se lembrar que este texto é de um pintor. Transportando-o para uma leitura com um viés cênico, não leio ilusão no sentido do teatro ilusionista/realista, mas sim num sentido amplo de ilusão como meio de inserir o espectador por outras conexões da própria visualidade.









-Composição Literária



Boi de Reis




A Pedra do Reino – Antunes Filho



Pensar a vida? Poetizar a vida? Imitar a vida?

Questiono-me quando usamos um texto literário em relação à maneira que lidamos com ele. A encenação cria uma visão sobre o texto ou “presentifica” o texto?

Por que não buscar a radicalidade do espetáculo cênico? Por exemplo: A festa “O boi de reis”, espetáculo cênico do folclore brasileiro que surgiu para celebrar a colheita do milho, tem que ser representado em um teatro fechado com um olhar repleno de pré-conceitos já encravados nas nossas mentes. Como ultrapassar esse estágio e fazer acontecer o espetáculo, chamado ou não de ritual, no momento exato, no presente? E a questão: Queremos apenas que o público conheça sobre ou vivencie o acontecimento?

Refletindo sobre tais questões, penso que a relação do artista com a composição literária tem que se dar de forma orgânica e presente. Com isso, será possível colocar o pensar na ação, e não somente verbalizá-lo. Para acontecer e fazer uma ação, independente de qual seja, há de se conquistar uma proximidade real com o material.
Pensando sobre a poética-musical, imagética e literária há de se conseguir uma composição geral do movimento, do cenário e da voz em sua obra de arte. Entendendo por movimento “o gesto e a dança, que são a prosa e a poesia do movimento. Por cenário tudo o que se vê, tanto as roupas, a iluminação, quanto os cenários propriamente ditos. Por voz as palavras ditas ou cantadas por oposição às palavras escritas; porque as palavras escritas para serem lidas e as palavras escritas para serem faladas são de ordem inteiramente distintas.”³

Discursando sobre as composições cênicas percebe-se a necessidade não só de uma dramaturgia propriamente da palavra, mas sim uma dramaturgia da imagem e uma dramaturgia do som.

E, já poetizando e ampliando a palavra dramaturgia, dou início às questões, tão freqüentes, do papel do dramaturgo dentro do processo colaborativo. Deve, este dramaturgo, participar criativamente de todas as composições? Deve propô-las? Deve recriá-las? Deve só estudar? Dramaturgo é apenas dramaturgista?




QUESTÃO DA DRAMATURGIA NO PROCESSO COLABORATIVO:

É uma questão e (ponto)

Dramaturgo de gabinete que escreve e traz o texto pronto, não se caracteriza um dramaturgo colaborativo. Um dramaturgo que espera todo o processo acontecer para ter a idéia genial e escrever o texto da sua vida, não caracteriza também um dramaturgo colaborativo.

O que faz então o dramaturgo em sala de ensaio além de comentar tudo que o diretor faz? Qual o seu papel criador? O de só olhar ou só criticar?

É uma questão e (ponto).



[3]. Craig citado por Marcos Bulhões M. Encenação em Jogo, p. 83, Editora Hucitec.
Mas com uma junção de pontos há sempre a reticências. Vamos às reticências...


“(...) Acreditamos num dramaturgo presente no corpo-a-corpo da sala de ensaio, discutindo não apenas o arcabouço estrutural ou a escolha das palavras, mas também a estruturação cênica daquele material. Nesse sentido, pensamos na dramaturgia como uma escrita da cena e não como uma escrita literária, aproximando-a da precariedade e da efemeridade da linguagem teatral, apesar do suporte do papel no qual ela se inscreve. (...) Ao invés de um escritor de gabinete, exilado da ação e do corpo do ator, queremos um dramaturgo da sala de ensaio, parceiro vivo e pensante dos intérpretes e do diretor.
(...) caberá a ele trazer propostas concretas- verbais, gestuais ou cênicas – mas também dialogar o material que é produzido diariamente em improvisações e exercícios. O texto, aqui, não é um elemento apriorístico, mas um objeto em contínuo fluxo de transformação. Daí a denominação dramaturgia em processo.
(...) Evidentemente tal dinâmica exige um novo tipo de dramaturgo dentro do fazer teatra
l."


ARAÚJO, Antônio – “O processo colaborativo no Teatro da Vertigem”. Revista Sala Preta. Edição 7.



A questão central não é arranjar este “novo tipo de dramaturgo”, mas colocá-lo dentro das regras do colaborativo e ter persistência e paciência para que entenda as regras.

No mais, vamos aprendendo a lidar, como estudantes de encenação, com os estudantes de dramaturgia. Tolerar, enfrentar e, com isso, não só “desenhar a árvores, mas sentir que estamos crescendo”. Não é poético nem conformista, apenas o fato: somos todos estudantes em processo.










Me diga, a rosa está nua
ou tem apenas esse vestido?


Por que as árvores escondem
o esplendor de suas raízes?


Quem escuta os remorsos
Do automóvel criminoso?


Há alguma coisa mais triste no mundo
Que um trem imóvel na chuva?



PABLO NERUDA – O livro das perguntas, São Paulo: Cosac Naify, 2008

domingo, 27 de setembro de 2009

Sobre a escuridão

Sentada em frente ao computador nesse momento me surgem várias questões sobre a última aula de direção na terça-feira passada, na qual foram debatidos diferentes tópicos sobre o chamado Processo Colaborativo, mas afinal que bicho é esse? Por que tantas dúvidas sobre as funções de cada artista envolvido no trabalho? Me questiono talvez, pois por não fazer parte desses processos não compreenda a dificuldade que está nas relações de trabalho entre as pessoas. Porém comparo com minhas experiências em teatro e vejo que todo o processo artístico é confuso, pois no nosso caso o do teatro, está trabalhando-se com materiais muito sensíveis: nós mesmos e os outros. E como não ser difícil e trabalhoso? Acho impossível, pois no processo das relações e da criação o terreno é sempre desconhecido e escuro, na qual tentamos caminhar em busca de alguma luz, e onde está essa luz? Está em mim, está nos meus colegas? Não sei, mas acho que em ninguém, pois acredito que a descoberta do fio de luz que surge na escuridão seja fruto de um trabalho conjunto sobre a realidade em que se encontram essas pessoas. Realidade essa que compreende um processo de criação, no qual cada indivíduo tem seu espaço e no qual a criação pode surgir sim do não saber, mas nunca da não escuta. A realidade, por mais desconhecida e escura que seja, nos apresenta pontos de apoio e precisamos estar atentos para percebê-los. Mesmo no escuro, quando tateamos o espaço conseguimos nos guiar para uma direção, assim é preciso tatear em conjunto esse espaço de escuridão chamado, processo. Acredito que na medida em que todos forem tateando essa realidade, buscando não imaginá-la e sim percebê-la, as funções ficaram mais claras, pois o trabalho de equipe em busca de um objetivo em comum (que pode ser a luz ou qualquer outra coisa), vai ter iniciado. O processo assim, pode ser encarado como o início de um tempo de experiência, que é um tempo diferente do convencional, porém tanto como o outro, é finito. A experiência em conjunto é menos assustadora que a experiência solitária, penso eu, assim é necessário que nesse processo existam rastros de experiências, que são ao meu ver, pistas que cada artista deixa para que o olhar do outro as siga. E na escuridão do processo seguir os rastros exige muita atenção de cada artista.Para finalizar cito Jorge Larrosa Bondía[1], que nos fala sobre a experiência e o saber experiência:
(...) não se pode antecipar o resultado, a experiência não é o caminho até um objetivo previsto, até uma meta que se conhece de antemão, mas é uma abertura para o desconhecido, para o que não se pode antecipar nem “pré-ver” nem “pré-dizer”.
[1] BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Leituras SME. Campinas/SP. 2001.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

PROTOCOLO QUINTO

referente ao encontro de
15 de Setembro de 2009


Procedimento, substantivo masculino derivado de outro: processo. Modo de atuar, comportamento. Transformado em verbo vira proceder, que tem seus sentidos ligados a conduzir, agir sobre, instaurar processo... [1] Como instaurar um processo?
Em aula conversamos sobre a idéia de procedimento, da dificuldade que é criar jogos, exercícios e estímulos precisos de improvisação para que os atores criem. E não só aos atores: como pedir uma idéia de luz? Como pedir ao dramaturgo uma cena? Pede-se ou espera que ele traga?
Viewpoints? Treinamento de respiração grotowskiano? Energéticos? Você é diretor ou professor de interpretação? Nós temos tempo pra ficar alongando o dedo mindinho? Quem você pensa que é? Porque os cadernos de direção do Brecht não estão traduzidos? Analizo os texto e divido em unidades de Ação? Stanislavski e Michael Tchekov servem para processo colaborativo?
Ressaltamos a importância de, quaisquer que sejam as escolhas da direção quanto aos tipos de aquecimento, que não se perca a atitude de jogo frente à cena e ao processo. Atitude de jogo, entendo, é propor que qualquer improvisação ou exercício seja encarado ao mesmo tempo como trabalho sério e como laboratório de vivência coletiva real e descontraída. Instaurar processo é também instaurar atmosfera: como um arquiteto que trabalha com o tempo, vai do diretor fazer de seu processo um gozo coletivo ou o muro das lamentações.
E esse aspecto tem a ver não apenas com uma questão personalista, mas com aquela proposta da cena, com aquele projeto. Cabe instaurar um processo com danças, músicas e vinho em sala de ensaio para estudar teatro Nô? Pode ser que sim ou que não, mas parece fundamental que o diretor tenha uma espécie de sensibilidade mínima para perceber que certas atmosferas geram um determinado tipo de atitude cênica, inclusive. Atitude de jogo traduz-se, sempre que ouço a expressão, como exercício de escuta, seguida de proposição que, na síntese, geram um silêncio para uma nova escuta e o ciclo se fecha. Dialético?
Gostaria de debater também sobre um aspecto surgido em protocolo que se refere à qualidade do trabalho dos atores. Preguiça? Eu tenho preguiça sempre que na balança entre a inércia e o desejo da ação, a inércia prevaleça. Nesse sentido, não acho que seja uma característica dos atores a preguiça, mas de todo aquele que não está tão a fim assim de estar ali, em jogo.
Por outro lado, não esperemos confortavelmente que os atores tragam os estímulos e as coisas livremente, por conta própria. Isso até ocorre, mas acho sim que é função do diretor não simplesmente pedir uma cena a partir de um estímulo como também o aguçamento da curiosidade, quase como um processo de sedução. Percebo hoje que, quanto mais dentro do processo os atores estão, mas o tomam para si, o que faz com que as proposições vindas deles aumentem (não só em quantidade, mas também em qualidade) cada vez mais e não acho um problema ser uma função do diretor alimentar esse desejo. É um problema quando, ao invés de figura de sedução, o diretor praticamente tem que mandar os atores trazerem uma cena, um estímulo (relação patrão-empregado) ou, pior, quando o diretor implora por isso (relação de favor).
Outro aspecto é quanto ao tipo de improvisação.
“Improvisem sobre a idéia de deus” ou “improvisem um monólogo, sem sair da cadeira, de o que vocês acham da figura do deus-cristão no imaginário da sua mãe hoje em dia, falando sem variações de velocidade e intensidade”. Do muito vago ao hiper-concreto, improvisações podem ser trampolins ou prisões eternas. Entender isso é simples, mas na prática, no calor do ensaio, pensar numa idéia de improviso não é tão simples.

Sem o medo de cagar regra, vou fazer aqui um à parte como exemplo:
Em primeiro lugar um elemento concreto e uma situação, como “corda” e “o início do conto do bosque dos elfos”, depois um elemento dificultador “as cinco atrizes têm que estar em cena”, uma proposta interpretativa “medo e desejo” e uma delimitação objetiva “quinze minutos”. Assim, formo: “Gostaria que vocês improvisassem sobre o momento em que Maria entra no bosque dos elfos, e os medos e desejos decorrentes disso usando a corda, sendo que todas as atrizes tem que estar em cena. Quinze minutos, pode ser?”
Mas daí, uma problematização:
Vamos sair do logocentrismo, friccionar textos, linguagens, sair da improvisação sobre idéias. Ok, ok. De novo, elemento concreto “tecidos espalhados pelo chão”, ao invés de situação, elemento abstrato “música Elephant Gun” e a mesma proposta interpretativa. Assim: “Enquanto essa música toca, eu gostaria que vocês usassem esses panos e vestidos espalhados pelo espaço para compor imagens físicas sobre os medos e desejos da Maria ao entrar no bosque. As imagens podem ser individuais ou em relação”. E durante o exercício outras instruções “não se viciem na mesma imagem”, “fujam da zona cinza [2]”, ”guardem as imagens e sensações para registrar depois”. Findas as improvisações, registramos tudo.
Sei lá, deu certo no último ensaio.

Outra questão sobre o modo de conduzir é a linha tênue que separa o propositivo do impositivo. E não são só as palavras “façam” ou “proponho que”, mas também o jeito com que se fala e o momento. Tem a ver com entendimento de grupo e, de novo, com escuta.

É um diretor e quatorze atores ou quinze diretores? Aí, parece, está a diferença entre processo colaborativo e criação coletiva. Relembro aqui a cena do filme Manderlay do diretor Lars Von Trier: a personagem Grace está a uma mesa com os cidadãos de Manderlay propondo a democracia como sistema de organização daquela pequena fazenda e ali, diante daquela aparentemente generosa e ingênua idéia, cria-se o espaço mais cruel para a manifestação das piores arrogâncias e surtos de autoridade. Com uma cena, Lars Von Trier dá um golpe no centro disso que chamamos “democracia” e relativiza a forma de relação dos homens entre os homens e, com isso, poderíamos repensar nossos processos. Será que o coletivo não é também o espaço mais propício para a manifestação das tiranias? Nesse sentido, qual a importância – no caso colaborativo – do entendimento, por todo o grupo, das funções?
Os nossos atores sabem quais são as funções de um ator no processo colaborativo? Os dramaturgos, iluminadores... sabem quais são suas funções? Nós sabemos quais são as nossas funções como diretores? Nós sabemos quais as funções dos outros? Nesse sentido não me parece que existam regras pré-estabelecidas, mas que, ao contrário, essas regras tem que ser encontradas no jogo do próprio trabalho.
Na teoria é fácil. É fácil dizer as idéias não são impostas, que serão testadas. É fácil dizer que não há hierarquia e que chegamos ao fim da taylorização dos processo de criação, mas assim como o corpo demora mais pra entender que a cabeça, o coletivo demora mais pra entender do que os indivíduos. E mais: o entendimento de cada indivíduo do grupo de alguma coisa não significa o entendimento do grupo daquela coisa.
E daí entramos numa vasta discussão sobre autoridade porque a conquista dos espaços no colaborativo é feita dia a dia e depende de uma colocação de si mesmo nas funções do grupo. Quantas vezes não nos sentimos omissos em nossos processos, com medo de impor nossas idéias e projetos e deixando que “a voz divina do grupo” fale mais alto?
Quantas vezes não sentimos que, por estarmos deixando o grupo falar, uma outra pessoa (dramaturgo, iluminador, ator) começa a se colocar como diretor e assume um espaço que aparentemente é nosso, mas que temos medo de reclamar em nome da democracia, temerosos de vestir a máscara da autoridade? E tantas vezes nossa imaturidade ou mesmo falta de proposta nos faz deixar o processo seguir por outros caminhos que não tem nada a ver com nossas idéias artísticas e nossa visão de mundo. Por outro lado, como também não vetar as manifestações individuais de cada membro do grupo? Antônio Araújo afirma que:

Essa autoria, que se dá, - ainda que não exclusivamente -, por mecanismos de apropriação, torna altamente problemática uma atitude de proibição ou veto à exibição da obra individual. Na verdade, uma explicação para isso se encontra no fato de se tratar de uma obra individual sim, porém impregnada de impressões digitais alheias. [3]

E mais para frente, na mesma tese, completa:

A vontade do encenador é apenas uma entre várias, e no acontecimento-cena que o grupo quer instaurar, o seu papel não parece ser o de criação à fórceps de uma “unidade de ordem”. Ao contrário, sua contribuição é a de garantir o espaço de emissão das distintas vozes [...] [4]

Isto posto, cabe perguntar: a equipe sabe da sua função no colaborativo e das funções que cabem ao diretor?
Podemos escolher, parece-me, dois caminhos: chamar a ensaio a bíblia de Antônio Araújo (sem nenhuma ironia, apenas com o humor necessário) e pedir pra que todos leiam e entendam o que é processo colaborativo ou descobrir o que é colaborativo para aquele grupo naquele momento.
A primeira opção me parece a própria traição da idéia de processo em si, porque a idéia de colaborativo surge justamente em resposta a modelos pré-fabricados de fazer teatral. Assim, transformá-la num modelo parece uma contradição à priori. A descoberta pouco a pouco das funções e do lugar de cada um no processo não tem nada a ver com um espaço pacífico e cordial, mas com um lugar de tensão e que exige não só experiência e entendimento profundo das funções, mas também maturidade.
Com isso, espero não estar invalidando a própria experiência, erros e acertos, como lugar de aprendizado e nem afirmando que só um diretor mais velho possa se dar ao colaborativo. Estou apenas tentando fazer um exercício de reflexão sobre o lugar do colaborativo para nós, diretores-aprendizes, hoje.

O segundo tópico do encontro a que se refere este protocolo foram as tendências do teatro contemporâneo e a importância de repensar a própria noção de procedimento a partir de modelos não logocêntricos – esforço, para mim, ainda absolutamente difícil tanto comigo mesmo, quanto com meu grupo.
As décadas de 70 e 80 foram responsáveis por aproximar do teatro o universo recém-surgido das artes performativas e, com muita força, a transposição de barreiras principalmente entre o cinema, a música, as plásticas e as cênicas, o que motivou na arte o surgimento do que chamamos de intertexto. Chamamos atenção para isto: a importância de, em processo, testar a profusão de elementos de outros universos artísticos na construção das cenas e incorporá-los à dramaturgia de forma a criar interfaces e camadas de leitura justapostas, cujo diálogo não está dado de maneira direta, mas é construído na relação tempo-espaço a partir do olhar do espectador.
Essas inserções que trazem a cena movimentos líricos ou épicos, rompendo a estrutura dramática, inserções essas que Lerhmann caracteriza como tendência (ou estética?) pós-dramática, contribuiriam para a reconstrução das imagens, permitindo libertarmo-nos da tradição literária e lançarmo-nos num processo menos logocêntrico e centrado na própria imagem, recurso que tem sido cada vez mais utilizado na arte contemporânea e que Octavio Paz define primorosamente:

Épica, dramática ou lírica, condensada em uma frase ou desenvolvida em mil páginas, toda imagem aproxima ou conjuga realidades opostas, indiferentes ou distanciadas entre si. Isto é, submete à unidade a pluralidade do real.[5]

Depois de assistir a vídeos como os Eistein on the Beach disponíveis do youtube [6], ou cenas de espetáculos da coreógrafa e dançarina Pina Bausch, esse desejo por ir a o encontro dessas tendências aumenta cada vez mais. Isso sem falar na recente experiência de Quartett, uma peça que prima – além da fantástica performance da protagonista e do desenho de luz impecável – por uma intertextualidade potente. É como se, para o texto de Muller, Wilson tivesse criado paisagens abstratas onde o movimento é um luxo e onde a música propõe a linha dramática que nos conduz de uma atmosfera a outra. Em Wilson, vejo concretizada a afirmação de Octavio Paz de que “a modernidade é uma espécie de autodestruição criadora” [7]. Sobre isso, levantou-se a possibilidade de fazermos um grupo de estudos.
Mas daí botamos os pés no chão.
Como, além de todas as nossas crises, fazer esses outros textos se inserirem no campo do ensaio e do processo? Seguiremos o modelo de Wilson e criaremos os quadros para que os atores se insiram neles como bonecos? Se o fizermos, continuaremos tendo um processo colaborativo?
Antônio Araujo em sua tese coloca Bob Wilson justamente como oposto do que chama de processo colaborativo. No entanto, em aula, Bulhões nos fez pensar sobre um outro tipo de colaboratividade não com os atores mas entre os outros criadores (músicos, diretor, coreógrafo...) Eu conheço pouco dos processos de Wilson, mas pelo pouco que li no livro de Galizia, acho que podemos pensar duas coisas: ou assumimos que a colaboratividade do processo pode se dar em níveis diferentes e daí teríamos que ter estabelecido esses níveis, em acordo, antes de começarmos para que não vendamos gato por lebre ao convidar as pessoas para integrar nossos coletivos ou, por outro lado, paramos de achar que para ser bom tem que ser colaborativo e assumimos que o processo de Wilson tem que ser centralizador para obter o tipo de resultado plástico que ele quer.
E, nessa segunda opção, abarcamos um lugar da discussão sobre o colaborativo que é a relação entre o processo e o resultado, último tema deste protocolo. Vocês estão cansados, eu sei.
Que cenas podem ser apresentadas? Quanto da nossa intimidade o público pode ver? Cenas depoimento tem que ser mostradas? Estamos preparados nesta semana para mostrar o que temos que mostrar?
À priori, o professor Marcos Bulhões defendeu que pedagogicamente sim, temos que mostrar as cenas que estamos produzindo porque, lembramos, o objeto da aula não é o resultado estético dos trabalhos e nem as observações acerca da grande obra do diretor, mas a instauração da problematização dos processos. De fato, as considerações feitas nas análises pelos professores de direção acerca das cenas nos fazem pensar sobre os rumos do trabalho e, pelo menos no meu caso, transformam o próprio processo, pois são provocadoras de discussões no grupo. Além disso, tirar-nos da estabilidade aparente é sempre uma maneira de movimentar o processo e impedir que falseemos nossas idéias com acomodações do tipo “pronto, escolhemos o conto a ser trabalhado, agora vai ficar tudo bem”.
No entanto, assim como da vida, certas intimidades quando são mostradas causam situações que prejudicam o trabalho. Não é a toa que a palavra obscena (literalmente, “fora da cena”) existe. E muitas coisas obscenas são produzidas em ensaio. Coisas essas que movimentam o grupo, cavucam medos e desejos, mas que não devem ser mostradas. É trabalho do diretor perceber quais viram cenas, quais servem apenas como estímulo e quais servem apenas como negativas.
Me alonguei demais, mas logo no final do encontro passado falamos também sobre uma característica do protocolo do Tchello que, diferente dos outros, era mais autoral: sobre isso concluiu-se que, como procedimento, é fundamental que os protocolos sejam generosos como registro, o que não significa que possamos neles problematizar questões e omitir opiniões, lançando sementes pra futuras discussões em sala ou em nossos processos.
Para concluir, o clipe da música “Elephant Gun” do grupo Beirut que tem me atormentado e que tenho usado no processo não só pela letra, mas pelo vídeo e a melodia me trazerem a idéia de festa, coisa que eu acho que o teatro às vezes se esquece de ser.

http://www.youtube.com/watch?v=N-mqhkuOF7s

Elephant Gun – Beirut

If I was young, I'd flee this townI'd bury my dreams undergroundAs did I, we drink to die, we drink tonight

Far from home, elephant gunLet's take them down one by oneWe'll lay it down, it's not been found, it's not around

Let the seasons begin - it rolls right onLet the seasons begin - take the big king down

And it rips through the silence of our camp at nightAnd it rips through the night
And it rips through the silence of our camp at nightAnd it rips through the silence, all that is left is allThat I hide



Pedro Braga, 21 de Setembro de 2009.







[1] Dicionário Priberam de Língua Portuguesa.
[2] Zona cinza: conceito usado por Anne Boggart em The Viewpoints Book para o momento em que o ator está perdido da improvisação, o momento em que não sabe o que fazer, não sabe porque está ali. É caracterizado como momento de transição entre momentos de improvisação.
[3] ARAÚJO, Antônio Carlos de. A encenação no coletivo: desterritorializações da função do diretor no processo colaborativo. 2008.
[4] Idem.
[5] PAZ, Octavio. Signos em Rotação. São Paulo: Perspectiva – 1996. p.38
[6] http://www.youtube.com/watch?v=b26E0D2pm1c
[7] PAZ, Octavio. Os Filhos do Barro. (referência a confirmar) p.16