quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Protocolo 8

Passamos da metade, passamos da metade do tempo proposto pela disciplina de Direção III de vivenciar a direção em um processo colaborativo. Dois meses atrás a metade nos parecia tão distante mas agora nós já passamos dela. Aquele papo de recorte e argumento me da um gosto de nostalgia e saudades perto dos outros problemas que apareceram, mentira, isso sou eu sendo dramático, mentira, é a mais pura verdade, mentira... é que a convivência em grupo e as discussões sobre autoria me fez esquecer o meu próprio ser, eu sinto que eu estou vivendo um fluxo, tem hora que as coisas fazem sentido e tem hora que o sentido define um recorte temático, mas também tem horas em que o recorte temático é uma coisa que não faz o menor sentido.


“O devir é involutivo, a involução é criadora. Regredir é ir em direção ao menos diferenciado. Mas involuir é formar um bloco que corre seguindo sua própria linha, "entre" os termos postos em jogo, e sob as relações assinaláveis.

...

Devir é um rizoma, não é uma árvore classificatória nem genealógica. Devir não é certamente imitar, nem identificar-se; nem regredir-progredir; nem corresponder, instaurar relações correspondentes; nem produzir, produzir uma filiação, produzir por filiação. Devir é um verbo tendo toda sua consistência; ele não se reduz, ele não nos conduz a "parecer", nem "ser",nem "equivaler", nem "produzir".”

Gilles Deleuze e Félix Guattari em Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia vol.4. P.15.

O devir é a mudança recorrente, é flutuar no mundo dos recortes e argumentos, é tomar decisões de forma intuitiva porque não tem nenhum material concreto para fazer dela racional. É andar cegamente com a galera sem saber onde vamos pisar, vislumbramos algo mas não temos nenhuma certeza. E tem mais uma coisa, como diretor e propositor desse projeto eu posso ser líder do grupo mas eu não sou o messias! Já larguei mão da África, das rainhas e to fazendo Monty Phyton na praça do relógio! Me respeita!... Não, na verdade o projeto é rainhas na praça do relógio, é meu caro o mundo da voltas... a 2 meses atrás eram sete rainhas inglesas, a 1 mês e meio eram 6, depois ficou 1 rainha Frankenstein , e agora eu tenho uma rainha paulistana, uma mineira e uma paraense.

Escrevo tudo isso por causa de um assunto do nosso ultimo encontro, a atitude de grupo, esse é um pré-requisito para o colaborativo, e se você vai se matricular na disciplina e ainda não tem, ah, você vai ter nem que tenha que o engolir. E quando eu falo da atitude de grupo eu me refiro tanto aos coletivos que se denominam como tal mas também ao grupo de pessoas que se reúne em pró de um trabalho especifico. Na verdade eu minto em falar que é um pré-requisito porque a atitude de grupo é algo que se descobre durante o processo, como você se porta com toda sua equipe? Como um vocabulário comum é construído? Como estabelecer limites em conjunto? Como fazer análise critica dentro de um coletivo? Como fazer a autocrítica? Enfim como não mentir para si mesmo para não caminhar em direção ao inferno?

Eu concordo com o meu diretor no processo em que eu estou como ator; “as parcerias estão aí, simplesmente estão e não devem ser o foco e sim o trabalho deve ser o motivo dessa união, dessas parcerias” e é verdade o que o Rodrigo fala, não tem porque se unir só por se unir, isso não é uma festa, é um trabalho de criação artística, o que não tolhe suas possibilidades festivas.

Na ultima terça Pedro colocou em pauta a interferência do dramaturgo no processo. Ele deu o exemplo de quando seu dramaturgo escreveu uma cena que envolvia nudez e masturbação e de como suas atrizes não quiseram improvisar o texto, fizeram uma paródia em cima do que ele tinha escrito. Perguntamos o porque dessas recusa em improvisar, o texto era ruim? Não era “improvisável”? O que então? Era falta de confiança no dramaturgo homem em um grupo cheio de mulheres? Duvidaram de suas intenções com essa cena? O que causou esse problema? Esse tipo de pergunta nunca tem só uma resposta nesse tipo de processo, analisar os problemas envolve além de escutar as diferentes vozes, tentar enxergar o devir desses corpos, o que é interessante para nossos estudos só que na prática a solução não é ficar imerso no passado recente procurando porquês e sim não perder o tempo de ensaio e botar as coisas pra andar, o tempo é curto e nós já estamos em Outubro, as coisas tem que estar claras, a comunicação tem que ser direta o que tem que ser dito deve ser dito, e o que pode esperar vai esperar. É uma sensação que eu tenho ouvindo as discussões.

Essa questão específica do Pedro desencadeou outra discussão mais específica da cena; a relação das pessoas com o corpo. O corpo é um tabu realmente, o desnudar está encoberto de mistificações, mentiras e histórias, sendo que o corpo nu é simplesmente uma pessoas sem panos, não é bizarro? Mas eu não posso julgar, também tenho uma veia pudica e demoro muito pra tirar minha roupa em cena, quase nunca o faço mas quando acontece... enfim travas se liberam, mas se os atores precisam de tempo e espaço para explorarem a proposta e suas necessidades. A sala de ensaio é o melhor lugar, as coisas que ali são feitas devem ser tratadas com respeito, nossos parceiros não precisam ser expostos e em situações de desconforto as coisas que ali acontecem não devem ser ditas pra quem não faz parte daquilo, a não ser em nossas aulas bafão de terça.


Pamela Anderson por David LaChapelle


Também discutimos a questão da inteligência emocional necessária num processo como esse. Inteligência emocional? Sim, capacidade de – retomando de novo o assunto – lidar com as pessoas, saber ceder, discutir, olhar com respeito o trabalho e quem faz parte dele, enfim quem não tem não consegue conviver em grupo, por isso grandes gênios na maioria das vezes são intratáveis, eles não cedem e não discutem e só aceitam as coisas do jeito deles. Mas afirmo que o número de “gênios” nos dias de hoje é cada vez menor, mesmo existindo muitas pessoas que se acham geniais e que por isso se dão o direito de chutar a bunda todo mundo que está na sua frente (eu dedico esse espaço pra todos pensarem em alguém).

“É sob esse ângulo de utilização da mágica,de feitiçaria, que é preciso considerar a encenação, não como reflexo de um texto escrito e de toda essa projeção de duplos físicos que emana o escrito, mas como projeção ardente de tudo o que pode ser tirado de conseqüências objetivas de um gesto, de uma palavra, de um som, de uma música e das suas combinações entre si. Esta projeção ativa não se pode fazer senão em cena e as suas conseqüências encontradas diante da cena e sobre a cena; o autor que usa exclusivamente as palavras escritas não tem aí que fazer, e deve ceder seu lugar aos especialistas desta feitiçaria objetiva e animada”.

Antonin Artaud, O Teatro e Seu Duplo.

E por ultimo eu vou retomar a questão da dramaturgia no processo colaborativo, ouvindo nossas discussões eu percebi que a dramaturgia, ou melhor o dramaturgo se tornou um problema, como lidar com uma pessoa que na sala de ensaio é potencialmente muito autoral ou potencialmente a mercê dos outros, e lógico na maioria dos casos eu percebo dramaturgos autorais, principalmente aqueles que também são diretores. Agora, fazendo o jogo que o Bulhões propôs na aula passada ao Pedro, de se por no lugar deles, eu acho que o dramaturgo desses processos enfrentam grandes problemas, um, o curso de dramaturgia no CAC é muito escasso, dois, eles estão correndo atrás dos diretores e seus temas e três, eles são uma peça fundamental no processo, principalmente no inicio e parecem não saber disso. E apesar de todos os problemas eu vejo que os grupos estão tentando lidar com esse problema e não esconde-lo. Mas Bulhões, você deveria fazer tutorias com eles também, eu tenho certeza que a Mari, minha dramaturga ia adorar sua aula, eles precisam de mais respaldo. Respaldo o suficiente para os fazer escrever e o insuficiente para os fazer dirigir.

Enfim, meu protocolo “devir” foi uma tentativa de seguir o fluxo da aula através da minha memória do que ela foi, na verdade eu nem considero aula e sim reuniões, um espaço pra reflexões sobre o processo no qual tentamos olhar criticamente pra ele. Da medo. Me avisem das minhas faltas, não consigo escrever mais e daqui e a pouco eu fico pedante então eu paro por aqui.

Beijos.



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