terça-feira, 8 de setembro de 2009

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS
DIREÇÃO III
Prof. Dr. Marcos Bulhões

Relato a partir da aula de 31 de agosto de 2009

“Tenho a impressão que para muitos artistas, para muitos intelectuais, a questão central é você estar frente ao perigo. E esse perigo é o perigo de perder a fala. Não ter a possibilidade de intervenção ou de ser ouvido numa sociedade como essa. Todos sentem como uma coisa muito forte esse perigo de ficar simplesmente mudo e você perder a sua fala e a sua capacidade de intervir. E, por isso, a coisa mais importante no teatro é que você faça uma coisa em grupo. Eu me lembro de uma frase da diretora da Noruega em um encontro em Amsterdã. Nós falávamos sobre utopia e ela me disse:” a nossa utopia é que façamos alguma coisa j untos, uma coisa coletiva.”. Nesse sentido, eu percebo que muitos grupos que fazem teatro não fazem apenas teatro. Eles estão, parece, muito mais interessados em criar uma rede, uma espécie de network em que, talvez, eles fizessem um workshop. Em outro momento eles fariam um seminário, e conseguiriam juntar o dinheiro para montar uma peça em um grande teatro por algum tempo.”

Começamos nosso encontro com uma questão jogada na roda pelo Bulhões: Por que não nos colocamos nas discussões da segunda-feira da mesma forma que na terça feira de manhã? Tentamos analisar o que nos inibe a participar das discussões a cerca das cenas apresentadas por nossos colegas de direção, omitindo nossa contribuição ao processo artístico do outro, chegamos a provisória conclusão que a tentativa de interdisciplinaridade, entre as matérias de direção e dramaturgia, não está sendo feita de uma maneira que nos contemple totalmente. Lembro-me bem que fui uma das primeiras a apontar a presença do Sérgio de Carvalho, professor de dramaturgia, como um possível fator de tensão nos encontros de segunda-feira, mas penso que o espaço de discussão também deve ampliado pelos próprios alunos. De alguma maneira as demandas da aula de dramaturgia não estão ajudando nos processos colaborativos, parece que há uma discrepância entre os interesses dos encenadores e dos dramaturgos, não podemos negar que a função da dramaturgia tem sido colocada constantemente em discussão na cena contemporânea.
Procuramos soluções para o problema da segunda-feira: Foi sugerido que após uma breve discussão coletiva das cenas, os dramaturgos se juntassem com o Sérgio e nós nos juntássemos com os professores de direção a fim de ter um diálogo mais específico sobre dramaturgia e encenação, mas esse diálogo terá de acontecer em alguma instância, uma vez que trabalhamos juntos e vamos produzir uma mesma obra. Esse cruzamento de conhecimentos e visões entre encenador e dramaturgo, assim como entre atores e o diretor, não precisa ter a finalidade de gerar uma unidade, talvez diversidade possa ganhar um plano na encenação.

Mas voltemos a supermarionete de Craig. Sua idéia de substituir um ator vivo por um manequim, por uma criação artificial e mecânica, em nome da perfeita conservação da homogeneidade e da coerência da obra de arte, já está ultrapassada. As experiências posteriores, que destruíram a homogeneidade da estrutura de uma obra de arte introduziram nela elementos ESTRANGEIROS, por meio de colagens e assemblages; aceitação da realidade “toute prête”; o pleno reconhecimento do papel do acaso; a localização da obra de arte na fronteira estreita entre REALIDADE DA VIDA e FICÇÃO ARTÍSTICA – tudo isso tornou prescindíveis os escrúpulos do início do século, do período do Simbolismo e da Art Noveau.”


Surgiu a questão da presença dos atores no encontro de segunda-feira, seria ela necessária? Talvez fosse mais produtivo passar os retornos dados em aula para os atores no espaço de ensaio.
Depois da apresentação das senas do dia 01/09, foi proposto aos grupos que, nas próximas aberturas de processo, nós elaborássemos um argumento escrito, isso causou uma certa confusão na cabeça do pessoal, uma vez que muitos de nós não tencionamos uma narrativa exata e alguns adotaram pontos de partida mais formais para trabalhar. Houve então a tentativa de ajustar o conceito de argumento para o plano da encenação. Quanto a questão do argumento, devo dizer que essa protocolista aqui teve bastante sorte, tive um ano de uma matéria denominada “Argumento” na faculdade de cinema, lembro-me bem da primeira fala do meu professor de Argumento no primeiro dia de aula: “Quando vocês forem à locadora e virarem o DVD pra ler a descrição atrás, estarão diante de um argumento, agora vamos que realmente interessa”. Essa matéria era bem polêmica, por a bibliografia era extensa, tivemos que ler durante o ano a Bíblia, Tristão e Isolda e a Ilíada. Nosso trabalho então era aproximar e classificar as narrativas até que chegamos a não mais que trinta narrativas que estavam na base de tudo que é narrado até hoje. Isso mesmo, as principais culturas que compuseram a mentalidade do ocidente não conseguiram produzir mais que trinta narrativas. Desde que fiz essa matéria fiquei com a idéia de que a liberdade artística residia na forma, mais do que na fábula.
Deparamos-nos com um ponto fundamental do diálogo entre diretores e dramaturgos na hora de compor um argumento: A proposta de encenação deve vir antes de proposta literária? Um pensamento mais conservador coloca o texto em primeiro lugar, considerando como ruído tudo aquilo que não está relacionado as questões levantadas pelo texto. Os elementos estrangeiros da cena ainda podem ser considerados pelos que se propõe a fazer teatro contemporâneo como ruído, mas que mal há nisso? O ruído pode ser um elemento de distanciamento, ou heterogeneidade, ou até uma inquietação pessoal de algum dos autores da obra, pode ser tantas coisas em potência que seríamos cegos de não aproveitar as possibilidades geradas pelo elemento aparentemente externo a cena.
O Bulhões nos relatou um dos processos que coordenou, 1999, disse que começou os ensaios sem ter definido um tema, pois seu objetivo principal era trabalhar sobre espaços fora e dentro do edifício teatral. Esse é um bom exemplo de um ponto de partida mais formal, mas sabemos que a simples opção por explorar espaços fora do teatro é por si só uma opção política, pois o discurso pode ser elaborado sobre bases formais. O processo colaborativo que estamos experimentando nesse semestre nasceu de experiências políticas dentro do teatro, na tentativa de horizontalizar as relações de trabalho nos grupo, é claro que no processo colaborativo as funções ainda se mantém e cabe ao diretor um papel de “Liderança” (meu pai é escritor de livros de auto-ajuda, por isso eu odeio muito essa palavra).
“Por tanto, a questão do teatro ser político para mim não é simplesmente tratar de temas e tratar de um conteúdo político mas é ter essa forma política. Você pode ter teatros que não são nada políticos e tratem de temas políticos. É a forma que vais definir”

No final do encontro discutimos um pouco o problema do camarada Tchello: Ele sentiu que a presença de um dos atores no grupo prejudicava o trabalho, por causa da hostilidade dos outros membros do grupo em relação ao referido ator, o Lucas, e também por questões de linguagem: O Lucas vem de grupos que possuem uma linguagem “anos 70” de cunho bastante político, seu histórico torna-o inadequado ao trabalho que o diretor estava propondo e a única maneira que o Tchello achou justa para manter o Lucas no grupo era calando a sua voz, por isso preferiu afasta-lo do grupo. O Bulhões ponderou a questão afirmando que o Lucas era uma presença marcante em cena e sugeriu que o Tchello reconsiderasse a sua decisão, disse ainda que é importante para o diretor saber voltar atrás e pedir desculpa. Deve ser muito engraçado para o Tchello me ver descrevendo a situação tão a grosso modo assim, por isso termino esse relato passando a palavra a ele: Então, velhinho, como você resolveu isso?

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