(A atriz já está em cena, visivelmente irritada. O diretor entra)
DIRETOR – Vamos conversar?
ATRIZ – Vamos. Eu preciso ir rápido, mesmo.
DIRETOR – (como quem já sabe o assunto, mas quer que a atriz comece) Bom...
ATRIZ – Eu pensei bem e vi que é melhor mesmo eu sair do grupo.
DIRETOR – Porque?
ATRIZ – Ah, porque é muita bunda no chão, pouca prática, a gente não acha a porra do tema, a porra do recorte e fica só nisso. A gente já até se desviou da proposta original.
DIRETOR – Eu não concordo, mas de qualquer jeito, processo colaborativo tem dessas coisas. É complicado, demora achar o tema, o recorte. O tempo de pesquisa às vezes é enorme e esse tempo nós não temos...
ATRIZ – Então. Assim eu não quero.
DIRETOR – Você tem consciência de que esse é o segundo processo colaborativo que você abandona esse ano, ambos no mesmo momento: o de achar o recorte? Você vai uma hora ter que trabalhar isso. Você não pode ficar fugindo.
ATRIZ – Sim, mas vai ver que o problema é que os dois foram dirigidos por você.
DIRETOR – Pode ser, mas, me desculpa, eu acho que você está sendo covarde.
ATRIZ - Covarde?
DIRETOR – É, covarde. Eu te conheço e você tem um problema de carência enorme que fica tentando transferir pros processos. Daí você só gosta dos processos em que você é protagonista, que você recebe atenção máxima. Se tem uma pontinha de caos, de desordem, de não saber, você já sai.
ATRIZ - É, e daí?
DIRETOR – E daí que eu acho que se é assim não vai fazer teatro, vai ser funcionária pública.
ATRIZ - É um absurdo isso que você tá falando.
DIRETOR – Eu to falando isso porque eu gosto de você e gosto não só como atriz, como pessoa. Se eu te chamo de covarde é porque é isso que eu acho, você foge toda vez que tem um problema, se livra dele ao invés da gente achar um jeito de resolver junto. Se eu não gostasse de você eu diria: “tá bom, vai ver que é melhor mesmo você ir embora”.
ATRIZ – Isso vai ser melhor pra nós dois.
DIRETOR – Pra mim talvez, eu me livraria de um problema e ganharia minha nota. Pra vc eu tenho certeza que não, porque você não tá aprendendo nada com isso.
ATRIZ – Tá bom, quer saber, pronto, não vou mais sair dessa porra, vou ficar até o final e vocês vão ter que me engolir e eu vou causar nessa droga. E agora eu tenho que ir embora.
(Atriz pega as malas e, sem deixar o diretor responder, vai embora. Cai o pano)
**baseada em fatos reais.
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Essa cena é realmente exemplar. Nela vemos apontar a capacidade pedagógica do diretor no questionamento, por vezes desagradável, dos mecanismos de defesa dos demais participantes de um processo colaborativo. O elogio da capacidade artística do parceiro, com a renovação do desejo sincero de compartilhar, ao mesmo tempo em que o diretor realiza a crítica ao comportamento, parece evitar mal entendidos de natureza emocional. Essa abordagem metodológica que reune elogio (para além do clichê "ator é um ser sensível",mas assumindo um dos papeis do diretor: estimular)e crítica direta sem subterfúgios, evita acúmulo de tensão nos relacionamentos e já foi debatida algumas vezes em nossa aula. No mais esse diálogo é bom de ler, tem humor e contradição, e nesse sentido pode ser didático.
ResponderExcluirAtualmente como tem se comportado essa atriz? Conseguiu avançar?
ResponderExcluirela voltou e arrasou. salvou o processo numa hora crítica e eu quero pra sempre trabalhar com ela.
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