terça-feira, 15 de setembro de 2009

Protocolo – 8 de Setembro de 2009
d-.-b – Sonata for a good man

1. Recorte Poético


[...]A perspectiva do compartilhamento não acontece apenas entre outros colaboradores e o dramaturgo, mas é de todos com todos, simultaneamente: o ator traz elementos para o cenógrafo que, por sua vez, propõe sugestões para o iluminador, e este para o diretor, numa contaminação freqüente. Portanto, cumpre falar de uma encenação em processo, de uma cenografia em processo, de uma sonoplastia em processo e assim por diante, com todos esses desenvolvimentos juntos compondo o que chamamos de processo colaborativo.

“Qual é o seu recorte poético?”
Recorte poético- ou o que eu entendi dele – é toda a sua “bagagem” por trás do trabalho. O que você anda escutando, assistindo, lendo, observando, que anda contribuindo para a criação do seu processo. Quais são suas influências artísticas? Quem são seus mestres? De que fontes você anda bebendo? E o que você anda oferecendo à sua equipe?
Creio que, antes de continuar, cabe dizer que isso não se refere necessariamente ao material bibliográfico, às referências teóricas ou coisas do tipo. Tem mais relação com o que te influencia, o que te agrada, o que você “antropofagiza” artisticamente.
Ainda dentro dessa mesma discussão, nos deparamos novamente com o que Bulhões chama de “acupuntura poética” – estímulos pontuais para criações do grupo. Na verdade, essa é uma expressão que me causou grande interesse desde a primeira vez que ouvi, pois a idéia de “mote”, de “tema” para a improvisação dos atores – que, muitas vezes, parece ser uma responsabilidade somente do diretor – é relativizada. Um trabalho de criação não precisa, necessariamente, surgir a partir de uma idéia fechada, formalizada. Também não precisa surgir do “desenho livre”, da improvisação sem regras. O termo “acupuntura poética” me serve muito, pois se aproxima muito da idéia de “margens” que trabalho com meu grupo. Aos poucos, os estímulos vão aumentando, e as margens estreitando. Em outras palavras, as imagens, frases, desenhos, conversas soltas, todos esses tipos de estímulos para a criação começam agora a tomar uma forma mais definida, uma idéia mais fechada. Da mesma forma, as opções formais também começam a surgir, em consonância com as idéias conceituais.
(Parênteses muito pessoais: essa palavra, “consonância”, me incomoda... não queria usá-la aí não, mas não achei palavra mais adequada. Leia-se, por “consonância”, em pé de igualdade, ao mesmo tempo, com o mesmo valor, sem que uma coisa venha antes da outra... ok? Então bola pra frente.)
Esticando só mais um pouquinho esse assunto, discutimos muito sobre o que é e como funciona essa “acupuntura poética”, e a relação da mesma com o tal do “recorte poético”. Oferecer à equipe a sua bagagem pessoal não é só uma forma de generosidade, ou uma maneira de tentar fazer com que eles enxerguem um pouco do que você está procurando. Além de tudo isso, é uma maneira prática e eficiente e fazê-los criar dentro das margens que você deseja trabalhar. Por isso, é importante que a equipe compartilhe suas influências, e é imprescindível que nós – os tais “diretores” – façamos uma certa pressãozinha para (leia-se EXIJAMOS) que eles busquem e conheçam um pouco de nossos universos poéticos.
Como estímulo para todos nós, sugiro agora que façamos uma pequena lista das referências artísticas que nos movem atualmente. Quero muito saber o que anda mexendo com vocês!

2. Workshops

[...]Por exemplo, como nesse tipo de processo todos são autores e, portanto, propositores de material teatral, há a produção de uma enorme quantidade de cenas. Via de regra, tais cenas passam a ser muito preciosas para quem as produziu. Especialmente se pensarmos que esse material vem de experiências pessoais ou da história de vida de cada ator. Por isso, o valor sentimental agregado a cada proposição se intensifica, e é raro nos depararmos com uma postura de desprendimento quando se discute ou se seleciona cenas do conjunto produzido. Daí a necessidade de uma negociação firme, muitas vezes conflituosa e exaustiva, especialmente por parte do dramaturgo. Por se tratar de prática bastante delicada, envolta numa série de componentes afetivos e emocionais, não é incomum essa seleção ser menos criteriosa ou sintética do que deveria. Às vezes, a fim de evitar dissabores – presentes e futuros – ou, mesmo, com o intuito deliberado de agradar a um ou outro componente do grupo, acaba-se incorrendo em excessos, elegendo-se mais material cênico do que necessário. E é a própria obra final que sofre com isso, obrigada a incorporar elementos pouco orgânicos ou alheios a ela, por critérios extra-artísticos.

O que estou aqui chamando de workshop é uma proposta dada por Bulhões como procedimento de criação. A partir de estímulos dados (as tais “acupunturas poéticas), os atores criam, individualmente, cenas que devem ser apresentadas durante um certo momento do cronograma de ensaios. Bulhões, citando sua experiência com o Teatro da Vertigem, sugeriu que os tais estímulos surgissem de pesquisas individuais dos atores in loco, ou seja, que os atores buscassem locais, pessoas, situações (que seriam sugeridas por eles ou pelo próprio diretor) que os estimulassem a criar algum tipo de manifestação cênica, de tempo controlado, para acrescentar ao repertório de material do processo. Miriam Rinaldi , também a partir da experiência vivida no mesmo grupo, além das experiências que relata sobra o processo de criação de Pina Bausch, conta que os workshops também podem surgir de estímulos ‘poéticos’ sugeridos pelo diretor ou pelo dramaturgo – no caso, perguntas elaboradas pelos mesmos, que se relacionam com a temática ou com o interesse formal da pesquisa cênica. Em ambos os casos – e em tantos mais que podem surgir do mesmo ponto – o que se busca é uma espécie de relato pessoal poético (e lá vem de novo essa palavra!) dos participantes do processo .
Porém, a questão que “pega”, no caso, é: até que ponto o envolvimento do diretor é válida, necessária ou relevante nesses momentos tão pessoais de criação? Até que ponto o diretor deve intervir nesses workshops? Ele deve dar somente o pontapé inicial – o que, no caso, pode ser simplesmente a definição do tema – ou sua participação se dá justamente na definição dessas “agulhadas poéticas”? Ou mais: cabe a um diretor de um processo colaborativo ‘controlar’ ou ‘manipular’ os temas sugeridos para os workshops, para que se chegue com mais facilidade a um resultado almejado?
Nesse longo processo, era natural que a produção diária e contínua de workshops resultasse em material bastante heterogêneo, com cenas triviais misturadas a outras com traço pessoal bastante forte. Não havia como garantir a qualidade dos workshops. Algumas perguntas ecoavam na hora, outras não tinham resposta, a não ser minutos antes da apresentação. Possivelmente essa alternância se deva tanto à qualidade das perguntas quanto à suscetibilidade do elenco. E é uma oscilação que parece não dizer respeito apenas ao trabalho do Vertigem. Pina Bausch, por exemplo, reconhece uma flutuação semelhante em seu processo e afirma que boas perguntas nem sempre dão bons resultados, o que a leva, por vezes, a reformular uma mesma questão, apresentando-a de maneira totalmente diferente (Schmidt, 1983, p. 235). O mesmo aconteceu no processo de Apocalipse 1,11, pois nem sempre os atores apresentaram as respostas almejadas.


Quando chegamos a esse ponto da discussão, Bulhões nos disse algo mais ou menos assim: “Se a coisa ficar muito aberta, será que os atores vão fazer?”. Depois disso, completou com mais ou menos essa frase: “ator é bicho preguiçoso”, arrancando risos daquele pequeno grupo de aspirantes a diretor, que sabe exatamente o que ele quis dizer com essa frase, pois todos nós temos ali, com absoluta certeza, muito mais experiência atuando do que dirigindo.
Bulhões tem razão. Ator é preguiçoso mesmo. A formação “normal” de atores os coloca no papel de simples executores dos devaneios conceituais e/ou imagéticos do diretor e/ou do dramaturgo. E talvez seja esse um dos grandes impasses de um processo colaborativo: transformar a cabeça do ator, transformá-lo num agente da criação.
Colocando aqui um breve relato pessoal sobre o tema: é engraçado ver as reações da equipe – principalmente dos atores – ao passarmos instruções de trabalho que devem ser feitas fora do horário de ensaio. Caretas, reclamações, frases do tipo ‘já não basta ter que fazer o fichamento da Beth Azevedo, agora tenho que levar o ensaio pra casa!’... enfim, coisas que eu, como ator, provavelmente faria do mesmo jeito – talvez até um pouco mais grosseiro. Percebi isso ao passar duas instruções a eles: primeiro, que eles deveriam fazer protocolos dos ensaios. Depois, que eles deveriam montar os tais workshops. Porém – como se fosse uma surpresa – quando eles perceberam que estavam, enfim, colocando seus posicionamentos individuais, suas vontades como artistas, suas angústias e suas investigações sobre o tema em cena, os workshops acabaram se tornando a parte mais esperada dos ensaios. Mas ainda assim, ainda existe aquela velha mania de esperar sempre que a iniciativa para a criação venha do próprio diretor. Creio que tenha sido por isso que levantei essa questão em sala de aula. Não sei o quanto estou preparado para – ou o quanto quero – estimular esses momentos de criação.
Acho que, na verdade, essa é uma discussão sem ponto final. Cada diretor tem interesses particulares em relação à utilização dos workshops, e adota o procedimento que mais lhe interessa. Porém, justamente por isso, é bom deixar claro: os workshops NÃO são momentos de livre improvisação dos atores; são momentos de criação individual para aproveitamento coletivo. Logo, deve-se pensar os workshops como uma idéia de encenação. Os participantes devem trazer material cênico concreto – uma cena individual ou coletiva, uma ação performativa, uma seqüência de imagens. Não é apenas pensar numa boa idéia e tentar concretizá-la na hora do ensaio. Além de levantamento de material, também é um exercício de criação e execução cênica.

3. Imagem poética

O que você quer causar no espectador?
Discutimos, durante algum tempo em momentos distintos da aula, sobre essa questão. Antes mesmo de qualquer recorte temático, devemos pensar no que queremos provocar, onde queremos cutucar o espectador. A partir dessa conversa, surgiu o termo ‘imagem poética’, depois de um exemplo dado pelo Bulhões. Mais ou menos isso: quando pensamos em alguma montagem de “Esperando Godot”, qual é a primeira coisa de que nos lembramos? Certamente, será a imagem dos dois sentados debaixo da árvore. A imagem é potente, e gruda na memória do espectador, atormentando-o quando surge na cabeça. Segundo Bulhões, as imagens potentes criadas em um espetáculo são o que irá se fixar na memória do espectador. As tais ‘imagens poéticas’ são, nesse sentido, as responsáveis pelas sensações que se pretende causar na platéia. Mais do que o enredo, a encenação, as falas, é a potência imagética que o espectador irá carregar por toda a vida.
Creio que essa idéia fique mais clara nas artes plásticas. Então, aí vai para vocês, uma imagem do artista plástico e ilustrador Dave McKean. Dêem uma olhadinha e digam o que essa imagem causa em vocês:



Sandman, por Dave Mckean

Não me estenderei muito mais nessa questão, visto que é justamente a pergunta que deve ser lembrada por nós, diretores: de que maneira nós queremos atormentar o espectador?

4. Mais e mais

Muitas questões surgiram durante essa aula que, mesmo tendo apenas quatro de nós na sala, teve mais de quatro horas de duração e teve algumas das mais frutíferas discussões até agora – pelo menos na minha humilde opinião. Porém, pelo fato de ter me estendido muito mais do que deveria para um protocolo, aliado ao fato de ser péssimo para escrever e para me lembrar direitinho das coisas, peço desculpas aos meus colegas, mas não consigo mais discorrer sobre muitos assuntos de extrema relevância para esse coletivo de diretores. Então, como proposta (ligeiramente picareta, devo admitir), peço a ajuda de meus colegas de sala que estavam presentes na semana passada para terminar esse “protocolo in progress”. Colocarei aqui tópicos que julgo importantes, para decidirmos o que colocar nesse protocolo, juntos.

• A discussão que ocorreu na segunda-feira, dia 7 de setembro, sobre o tal do ‘argumento’;
• Como lidar com as relações do coletivo sem querer transformar isso numa relação familiar?
• Fazer os atores experimentarem a criação de uma síntese
• Sugestões para experimentações de improvisação:
 Realista complementar
 Realista estranhada
 Realista fantástica
 Simbólica
 Cenas simultâneas – complementares e heterogêneas
 Cena ambiental – Espaços específicos ou instalações
• Esqueci alguma coisa?

Desculpem a picaretagem, e obrigado pela ajuda.
Cansaço e sono.

Tchello Gasparini
De 9 a 15 de Setembro (sim, eu demoro pra escrever)

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