Como por? Qual posição? Como compor?
Inserir e redescobrir. Tirar e reencontrar.
Música, imagem, texto, som, poesia, fala, barulho, cor.
Silêncio. Pausa. Discurso. Discurso. Pausa.
Silêncio.
Pensamos então sobre a concepção e situação poético-musical da cena. Não só a música colocada no rádio ou cantada, mas a sonoplastia como um todo que junto com a fala cria uma musicalidade da cena.
Tal musicalidade pode ser composta por ruídos, barulhos, falas e principalmente o silêncio. É a atmosfera sonora da cena. São esses caminhos, dentre outros, que criam uma ambientação e transportam-nos para outro estado de presença que não a lógico cartesiano.
É descobrir como uma fala gera a poesia. Como uma poesia soa um som. Como um som gera a fala. Ou seja: a fala como poesia; som como poesia; e a poesia como som.
O espectador estará imerso num ambiente, escutando barulhos e ruídos, palavras e música, falas e silêncio. A sonoplastia como um todo que transporta esse espectador para esse “tal” outro lugar.
A imagem nos transporta para outro lugar. Como utilizar da máxima potência imagética? Esquecemo-nos que existem meios tecnológicos para essas imagens terem uma potência eficaz para o espectador. A sensação de teatro pobre¹ nos permeia.
Como exemplo, temos os teatros gregos que usufruíam as mais diversas “multimídias” da época para os maiores e melhores efeitos. Contudo o que permaneceu na história, principalmente pela herança do logocentrismo acadêmico-universitário Renascentista, foram os textos de Sófocles. Ainda carregamos esse “peso” do texto e esquecemos que as mais diversas mídias estão para nos auxiliar e compor a potência poética da cena.
[1].Teatro pobre no sentido de ser pobre: vazio de sentido, roupas rasgadas, apenas conter um cajado como objeto de cena. E não “teatro pobre” contextualizado e defendido por Jerzy Grotowski.
O pintor Wassily Kandinsky, como exemplo, trabalha com suas teorias filosóficas da cor e com a abstração das imagens. Suas pinturas tiveram também uma influência da música do compositor Arnold Schönberg, companheiro do seu trabalho por alguns anos. Percebe-se que não só nas artes cênicas há uma composição, a pintura já ultrapassa a composição das tintas. Vê-se música e poesia nos quadros de Kandinsky.
Na imagem viva cênica tais fronteiras de composição não tem fim...
Vemos em Bob Wilson a imagem repleta de cores e exatidão. A demora para montagem de um palco e afinação dos refletores nos mostra que a imagem ainda tem sua importância e vigor. No jogo de luz, cor e desenho da cena o encenador nos encaminha para uma presença, como espectadores, que ultrapassa o logocentrismo.
"A cor ajuda a exprimir a luz; não o fenômeno físico, mas a única luz que existe de fato – a do cérebro do artista.
Cada época traz consigo sua luz própria, seu sentimento particular do espaço, como uma necessidade. Nossa civilização, mesmo para quem nunca andou de avião, trouxe uma nova compreensão do céu, da vastidão, do espaço.
(...) Mas o desenho e a cor não passam de uma sugestão. Por meio da ilusão², eles (artistas) devem provocar no espectador a sensação de posse das coisas. Mas isso só ocorre na medida em que o artista é capaz de se auto-sugestionar e de passar essa sugestão para sua obra e para o espírito do espectador. Há um provérbio chinês que diz: quando desenhamos uma árvore, devemos, ao mesmo tempo, sentir que estamos crescendo."
HENRI MATISSE – “Escritos e conversas sobre a arte”. A pintura, vol. 9: O desenho e a cor, São Paulo, editora 34, 2006
[2]. Deve-se lembrar que este texto é de um pintor. Transportando-o para uma leitura com um viés cênico, não leio ilusão no sentido do teatro ilusionista/realista, mas sim num sentido amplo de ilusão como meio de inserir o espectador por outras conexões da própria visualidade.
Pensar a vida? Poetizar a vida? Imitar a vida?
Questiono-me quando usamos um texto literário em relação à maneira que lidamos com ele. A encenação cria uma visão sobre o texto ou “presentifica” o texto?
Por que não buscar a radicalidade do espetáculo cênico? Por exemplo: A festa “O boi de reis”, espetáculo cênico do folclore brasileiro que surgiu para celebrar a colheita do milho, tem que ser representado em um teatro fechado com um olhar repleno de pré-conceitos já encravados nas nossas mentes. Como ultrapassar esse estágio e fazer acontecer o espetáculo, chamado ou não de ritual, no momento exato, no presente? E a questão: Queremos apenas que o público conheça sobre ou vivencie o acontecimento?
Refletindo sobre tais questões, penso que a relação do artista com a composição literária tem que se dar de forma orgânica e presente. Com isso, será possível colocar o pensar na ação, e não somente verbalizá-lo. Para acontecer e fazer uma ação, independente de qual seja, há de se conquistar uma proximidade real com o material.
Discursando sobre as composições cênicas percebe-se a necessidade não só de uma dramaturgia propriamente da palavra, mas sim uma dramaturgia da imagem e uma dramaturgia do som.
E, já poetizando e ampliando a palavra dramaturgia, dou início às questões, tão freqüentes, do papel do dramaturgo dentro do processo colaborativo. Deve, este dramaturgo, participar criativamente de todas as composições? Deve propô-las? Deve recriá-las? Deve só estudar? Dramaturgo é apenas dramaturgista?
QUESTÃO DA DRAMATURGIA NO PROCESSO COLABORATIVO:
É uma questão e (ponto)
Dramaturgo de gabinete que escreve e traz o texto pronto, não se caracteriza um dramaturgo colaborativo. Um dramaturgo que espera todo o processo acontecer para ter a idéia genial e escrever o texto da sua vida, não caracteriza também um dramaturgo colaborativo.
O que faz então o dramaturgo em sala de ensaio além de comentar tudo que o diretor faz? Qual o seu papel criador? O de só olhar ou só criticar?
É uma questão e (ponto).
[3]. Craig citado por Marcos Bulhões M. Encenação em Jogo, p. 83, Editora Hucitec.
“(...) Acreditamos num dramaturgo presente no corpo-a-corpo da sala de ensaio, discutindo não apenas o arcabouço estrutural ou a escolha das palavras, mas também a estruturação cênica daquele material. Nesse sentido, pensamos na dramaturgia como uma escrita da cena e não como uma escrita literária, aproximando-a da precariedade e da efemeridade da linguagem teatral, apesar do suporte do papel no qual ela se inscreve. (...) Ao invés de um escritor de gabinete, exilado da ação e do corpo do ator, queremos um dramaturgo da sala de ensaio, parceiro vivo e pensante dos intérpretes e do diretor.
(...) caberá a ele trazer propostas concretas- verbais, gestuais ou cênicas – mas também dialogar o material que é produzido diariamente em improvisações e exercícios. O texto, aqui, não é um elemento apriorístico, mas um objeto em contínuo fluxo de transformação. Daí a denominação dramaturgia em processo.
(...) Evidentemente tal dinâmica exige um novo tipo de dramaturgo dentro do fazer teatral."
ARAÚJO, Antônio – “O processo colaborativo no Teatro da Vertigem”. Revista Sala Preta. Edição 7.
A questão central não é arranjar este “novo tipo de dramaturgo”, mas colocá-lo dentro das regras do colaborativo e ter persistência e paciência para que entenda as regras.
No mais, vamos aprendendo a lidar, como estudantes de encenação, com os estudantes de dramaturgia. Tolerar, enfrentar e, com isso, não só “desenhar a árvores, mas sentir que estamos crescendo”. Não é poético nem conformista, apenas o fato: somos todos estudantes em processo.
ou tem apenas esse vestido?
Por que as árvores escondem
o esplendor de suas raízes?
Quem escuta os remorsos
Do automóvel criminoso?
Há alguma coisa mais triste no mundo
Que um trem imóvel na chuva?
PABLO NERUDA – O livro das perguntas, São Paulo: Cosac Naify, 2008