uma vez eu tinha um blog, mas não sabia mexer direito. a experiência desse funcionou tão bem, que resolvi tentar de novo. a idéia são ensaios sobre teatro (peças e experiências), mas resolvi inaugurar com uma crítica de um filme que vi esses dias.
O Passolargo
sábado, 28 de novembro de 2009
ANTIPROTOCOLO
sobre o anti-encontro de 10 de Novembro
Primeiramente, digo que este será um antiprotocolo porque ele não vai relatar o que foi falado do último encontro, porque a maior parte do que se discutiu ali (além do protocolo do Júlio e do maravilhoso exercício-gráfico proposto por ele) não foi sobre as dificuldades de trabalhar colaborativamente ou sobre os processos, mas sobre a atitude dos alunos de direção neste curso, neste semestre.
Assim, pensei que um relato documental disso seria inútil e prefiro usar o que aconteceu para compartilhar algumas idéias que tenho tido e que acho fundamentais de serem pensadas por esses cinco diretores em (difícil) formação – eu, inclusive.
No início da disciplina Direção II, o Tó nos falou sobre a polêmica que é um curso de direção teatral no bacharelado de uma formação acadêmica. É que algumas linhas de pensamento colocam a Direção apenas como possibilidade formativa na pós-graduação, considerando que os alunos da graduação ainda não têm maturidade acadêmica e artística para enfrentar o trabalho da direção.
Antônio Araújo defendeu a habilitação em direção na graduação ao relatar experiências que provavam que o resultado dos trabalhos independia da idade do diretor, mas de uma intuição artística que mais tinha a ver com sua forma de organizar os materiais do que com sua vivência acumulada. Apesar disso, de início, mesmo sendo um aluno da direção, senti que os argumentos daqueles que defendiam o curso de direção na pós-graduação eram mais fortes. Na verdade, eu mesmo me sentia bem deslocado ali e, devida a minha parca experiência em teatro, me sentia despreparado para dirigir. Me sentia um cego guiando cegos, para usar a imagem que Cibele Forjaz usou em seu texto-relato sobre o processo colaborativo de Rainha[(s)]:
A minha função ali, principalmente no período de criação dramatúrgica, era muito clara: eu não poderia ser “a” criadora do espetáculo, ou de seus conceitos fundamentais, que deveriam se urdir necessariamente em conjunto, vindos do próprio não saber, nossa maior dificuldade e, ao mesmo tempo, nossa grande riqueza potencial.
Hoje, a partir de algumas experiências obtidas ao longo do ano e após refletir sobre o tema do anti-encontro passado, cheguei a algumas conclusões sobre o tema.
A formação em direção teatral no CAC é uma formação que tem a ver com um trabalho muito intuitivo. A partir de um texto ou tema – ou às vezes nem isso – os diretores são impelidos a dar a suas concepções artísticas sobre cenas de Shakespeare, Tchekov, Tennessee Williams... Isso, sem antes nunca ter lido nada sobre o que seja encenação. Isso, sem uma base qualquer do que tenham pensado Stanislavsky, Meyerhold, Craig, Zeami, Brecht, Artaud, a não ser que o aluno tenha, de livre e espontânea vontade, comprado um dos livros desses autores em alguma feira do livro.
Eu espero não estar com isso pedindo que peguem em nossa mão e expliquem como esses encenadores encenavam para que tenhamos modelos para copiar, mas o que vejo quando assisto as cenas no CAC, por vezes, é um punhado de trabalhos sem mestres. E isso não está só nas cenas de direção, mas nos PTs, trabalhos de licenciatura, etc... Parece que o vício da formação técnica nos ronda de tal maneira que passamos horas fazendo aulas de canto, e não temos nenhuma aula de encenação teórica.
Desde o segundo ano eu estudo teatro japonês por conta própria e se tem uma coisa que eu leio e admiro muito naqueles trabalhos é que nada ali surge sem anos e anos de pura observação dos mestres. A autonomia artística no Japão é uma conquista de anos e não uma reivindicação autocentrada de um estudante pseudo-engajado. Como afirma Pronko em Teatro Leste e Oeste, “as tradições não se formam de um dia para o outro, nem crescem sem devoção, sacrifício, disciplina, consagração.” Acredito muito nisso.
E então quando nos deparamos com uma estrutura curricular até interessante que propõe
Direção I: concepção livre de uma cena de um texto pronto, sem alterar o texto, ao longo de um semestre.
Direção II: exercícios textocêntricos e cenocêntricos em torno de uma dramaturgia prévia.
Direção III: exercício de constituição de uma cena sem dramaturgia prévia com presença do dramaturgo em sala de ensaio.
PT: exercício livre de montagem de qualquer coisa a partir de qualquer estímulo.
Vemos uma estrutura prática altamente interessante e que proporciona uma experiência em que a autonomia se conquista aos poucos, mas que não dá base teórica para além das discussões dos próprios projetos. É claro que em contraponto a isso, quando penso no direção III, vem as frases do Antônio Araújo ecoando... “não é a obra da sua vida”, “não precisa dar certo”, “não precisa ser bom”, “é só uma experiência dentre muitas”...
Já não deu certo. Ok.
Já não é a obra da minha vida. Ok.
Eu já aprendi muito com todo esse processo, pela dor, mas aprendi.
Mas o que, de fato, fica? Um trauma? Um não querer nunca mais trabalhar colaborativamente? Uma rejeição as pessoas, a idéia, a tudo? Um cansaço?
Não estou dizendo que não se aprenda com a experiência e que não tenhamos que encontrar modelos menos caretas para o ensino do teatro, mas eu particularmente sinto falta da caretice de algumas aulas. De abrirmos Minha Vida Na Arte juntos e lermos e discutirmos um parágrafo como
Esse desdobramento entre o corpo e alma os artistas o experimentam e vivem na maior parte da sua vida: do meio dia às quatro e meia durante os ensaios, e das oito às doze da noite, durante os espetáculos, e isto quase todos os dias. Ao procurarmos a saída para essa situação insuportável de uma pessoa exposta a força á exibição pública e obrigada, contra sua vontade e necessidade, a produzir impressão sobre espectadores, recorremos a técnicas falsas artificiais de representação teatral e nos habituamos a elas.
Pego o Stanislavsky quase como uma provocação.
O teatro pseudo-contemporâneo fala desse encenador como seu fosse porcaria ultrapassada, mas nesse trecho – pra mim – ele traz uma questão muito real, viva e presente no meio dia-a-dia e que tem tudo a ver com o direção III do departamento de Artes Cênicas na ECA USP em 2009 que é: E os atores? Onde é que eles ficam em tudo isso?
Sem créditos, trabalhando de livre e espontânea vontade, estando na USP em feriados, ensaiando incessantemente aos finais de semana e pra quê? Isso é colaborativo? Que autoria é essa que estamos reclamando ou de que estamos falando?
Enfim, eu sei que estou misturando muitos assuntos, mas acho que o foco de tudo isso é: como repensar a formação de direção teatral na graduação de forma que não fiquemos tão perdidos? Posso estar fazendo drama ou pedindo colo, mas apesar de todo o aprendizado desse semestre, não sinto que foi nada saudável. Me senti por vezes arrastando dramaturgos e atrizes nas costas. Me senti por vezes, apesar das três aulas de direção no semestre, perdido. E quando me é requerido ler o teatro musical de Meyerhold ou os processos criativos de bob Wilson eu acho tudo lindo e muito interessante, mas aquilo tudo não parece fazer parte da minha realidade de como entender o que é um argumento.
E eu volto a proposta curricular do curso de direção e a pergunta que me vem a cabeça é: tudo isso é em nome de quê, mesmo?
De aprender a trabalhar colaborativamente. De repensar as questões de autoria. Na aula de Antônio Araújo lemos Barthes e Foucault que trazem a discussão sobre autor e autoria.
O autor – ou o que eu tentei descrever como a função autor – é, sem dúvida, apenas uma das especificações possíveis da função sujeito. Especificação possível ou necessária? Tendo em vista as modificações históricas ocorridas, não parece indispensável, longe disso, que a função autor permaneça constante em sua forma, em sua complexidade, e mesmo em sua existência.
A imagem de Foucault é absolutamente precisa: não existe um autor se não existir um sujeito. Uma coisa é pré-requisito para a outra. E como podemos pensar as questões de autoria e colocá-las em debate se ainda não temos discutidas e repensadas as questões dos sujeitos? Não vi isso como pauta de debate em nenhum momento. Fica a dica para o direção III - 2010...
Essas pessoas que estão sendo formadas e que se matam em horas de ensaio tentando achar um argumento, elas estão minimamente formadas enquanto sujeitos?
Posso estar colocando as coisas num nível meio inalcançável e fatalista, mas o fato é que pedagogicamente me sinto impelido a entrar num processo (e, pior, carregar pessoas junto comigo) no qual se os parâmetros já são frágeis para os professores, que dirá para os alunos.
Eu preferia, talvez, passar toda a minha graduação montando textos de dramaturgia pronta e sair da faculdade cospindo fogo de ódio e falando que vou mudar tudo e nunca mais montar dramaturgia pronta, mas estar seguro disso, a me lançar num projeto de arestas frágeis. Não me condenem: não estou falando o que eu preferia em termos de prazer, de achar legal... mas em termos pedagógicos, formativos.
Careta? Talvez...
Utilizo-me então de uma comparação talvez frágil, mas que me serve de base. Nesse ano, desde março, paralelo aos processos de direção II e III, eu fui convidado para dirigir um processo colaborativo que partiria de textos de Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector. Eu não tinha nem passado por direção II quando tudo começou. Não tínhamos dramaturgo, iluminador, cenógrafo... Três atrizes e um diretor-perdido.
Como todos sabem, atualmente os processos de PT tem uma orientação muito fraca que aparece de vez em nunca para assistir o que se está produzindo. Assim, mais livres e com menos baldes de informação na cabeça, ao longo de um ano, com as mesmas crises e abandonos, fizemos um espetáculo e passamos pelos testes de argumento, premissa, workshops...
Nada disso tinha esses nomes técnicos que hoje eu domino um pouco mais... Era tudo mais simples: a gente tem que fazer uma peça com esses autores, mas tem que ser uma peça que a gente goste. Achamos um tema e concretamente passei por todas as fases que passei no direção III, mas elas vieram não como uma lição de casa a ser apresentada na próxima aula: vieram naturalmente, da necessidade de concretizar um projeto. Atualmente, acho muito mais real, sincera e pedagogicamente mais rica a experiência desse PT que dirigi do que do direção III. Não digo que o resultado tenha ficado perfeito, mas ele foi de verdade um trabalho de pesquisa, com mestres e sem uma peça saída a fórceps.
Na semana passada, esse protocolo terminava com um convite para assistir ao Anima que estava em cartaz no teatro Alfredo Mesquita e que tem até blog
www.animapeca.blogspot.com
No entanto, agora que a primeiro temporada já passou (voltamos no TUSP em 2010), gostaria de terminar esse protocolo dizendo que odiei e amei todas as pessoas envolvidas nesse trabalho ao longo do semestre. Todas, mesmo, desde as atrizes, os dramaturgos até os alunos e professores de direção e dramaturgia. E todo esse ódio e amor, me fizeram pensar sobre o teatro que eu quero e que me interessa fazer. A Maria Thaís, desde o primeiro ano, nos instiga a pensar nisso: qual é o meu teatro? De certa forma, Bulhões tenta a mesma indagação com uma pergunta menos pretensiosa: o que você quer do público?
De uma forma ou de outra, não consigo responder ainda a nenhuma das duas perguntas, mas vendo os trabalhos dos outros diretores e o meu próprio, consigo delinear algumas coisas que nesse momento pra mim fazem sentido. A primeira tem a ver com pretensão. Sou muito pretensioso. De uma pretensão que chega a parecer arrogância, mas tem a ver com o fato de eu não ser o tipo de diretor que compro um projeto apenas por achar engraçado ou curioso. Gosto dos grandes temas. E tenho consciência de que foi essa pretensão que me fez ter a maior parte das dificuldades que tive com relação a esse processo, mas pra mim é melhor isso do que entrar num projeto que não me diz nada ou não está em diálogo com alguma questão (e não tem a ver com questões formais, mas de conteúdo mesmo) que esteja me incomodando.
E essa pretensão gerou problemas difíceis com as atrizes, pois falar do corpo em 2009 com pessoas (eu, inclusive) imaturas e que tem questões com o próprio o corpo era quase arrogância. No entanto, foi essa pretensão que me fez descobrir uma outra característica que tem a ver com o “meu teatro”: eu não estou disposto a passar por cima das pessoas, para fazer a peça que eu quero.
E se as minhas atrizes ou atores não se sentirem prontos, um dia, para fazer determinada cena, eu prefiro mudar a peça e o tema, mas não as pessoas, por mais gagas que elas sejam. Por outro lado, acho que é possível sempre trabalhar o máximo para quebrar junto com essas pessoas as barreiras que acharmos necessárias ser quebradas para um trabalho artístico mais potente. O problema é que isso leva tempo, um tempo maior que um tempo de direção III.
Enfim, espero que algo que eu tenha escrito aqui tenha reverberado, para além do desabafo.
Primeiramente, digo que este será um antiprotocolo porque ele não vai relatar o que foi falado do último encontro, porque a maior parte do que se discutiu ali (além do protocolo do Júlio e do maravilhoso exercício-gráfico proposto por ele) não foi sobre as dificuldades de trabalhar colaborativamente ou sobre os processos, mas sobre a atitude dos alunos de direção neste curso, neste semestre.
Assim, pensei que um relato documental disso seria inútil e prefiro usar o que aconteceu para compartilhar algumas idéias que tenho tido e que acho fundamentais de serem pensadas por esses cinco diretores em (difícil) formação – eu, inclusive.
No início da disciplina Direção II, o Tó nos falou sobre a polêmica que é um curso de direção teatral no bacharelado de uma formação acadêmica. É que algumas linhas de pensamento colocam a Direção apenas como possibilidade formativa na pós-graduação, considerando que os alunos da graduação ainda não têm maturidade acadêmica e artística para enfrentar o trabalho da direção.
Antônio Araújo defendeu a habilitação em direção na graduação ao relatar experiências que provavam que o resultado dos trabalhos independia da idade do diretor, mas de uma intuição artística que mais tinha a ver com sua forma de organizar os materiais do que com sua vivência acumulada. Apesar disso, de início, mesmo sendo um aluno da direção, senti que os argumentos daqueles que defendiam o curso de direção na pós-graduação eram mais fortes. Na verdade, eu mesmo me sentia bem deslocado ali e, devida a minha parca experiência em teatro, me sentia despreparado para dirigir. Me sentia um cego guiando cegos, para usar a imagem que Cibele Forjaz usou em seu texto-relato sobre o processo colaborativo de Rainha[(s)]:
A minha função ali, principalmente no período de criação dramatúrgica, era muito clara: eu não poderia ser “a” criadora do espetáculo, ou de seus conceitos fundamentais, que deveriam se urdir necessariamente em conjunto, vindos do próprio não saber, nossa maior dificuldade e, ao mesmo tempo, nossa grande riqueza potencial.
Hoje, a partir de algumas experiências obtidas ao longo do ano e após refletir sobre o tema do anti-encontro passado, cheguei a algumas conclusões sobre o tema.
A formação em direção teatral no CAC é uma formação que tem a ver com um trabalho muito intuitivo. A partir de um texto ou tema – ou às vezes nem isso – os diretores são impelidos a dar a suas concepções artísticas sobre cenas de Shakespeare, Tchekov, Tennessee Williams... Isso, sem antes nunca ter lido nada sobre o que seja encenação. Isso, sem uma base qualquer do que tenham pensado Stanislavsky, Meyerhold, Craig, Zeami, Brecht, Artaud, a não ser que o aluno tenha, de livre e espontânea vontade, comprado um dos livros desses autores em alguma feira do livro.
Eu espero não estar com isso pedindo que peguem em nossa mão e expliquem como esses encenadores encenavam para que tenhamos modelos para copiar, mas o que vejo quando assisto as cenas no CAC, por vezes, é um punhado de trabalhos sem mestres. E isso não está só nas cenas de direção, mas nos PTs, trabalhos de licenciatura, etc... Parece que o vício da formação técnica nos ronda de tal maneira que passamos horas fazendo aulas de canto, e não temos nenhuma aula de encenação teórica.
Desde o segundo ano eu estudo teatro japonês por conta própria e se tem uma coisa que eu leio e admiro muito naqueles trabalhos é que nada ali surge sem anos e anos de pura observação dos mestres. A autonomia artística no Japão é uma conquista de anos e não uma reivindicação autocentrada de um estudante pseudo-engajado. Como afirma Pronko em Teatro Leste e Oeste, “as tradições não se formam de um dia para o outro, nem crescem sem devoção, sacrifício, disciplina, consagração.” Acredito muito nisso.
E então quando nos deparamos com uma estrutura curricular até interessante que propõe
Direção I: concepção livre de uma cena de um texto pronto, sem alterar o texto, ao longo de um semestre.
Direção II: exercícios textocêntricos e cenocêntricos em torno de uma dramaturgia prévia.
Direção III: exercício de constituição de uma cena sem dramaturgia prévia com presença do dramaturgo em sala de ensaio.
PT: exercício livre de montagem de qualquer coisa a partir de qualquer estímulo.
Vemos uma estrutura prática altamente interessante e que proporciona uma experiência em que a autonomia se conquista aos poucos, mas que não dá base teórica para além das discussões dos próprios projetos. É claro que em contraponto a isso, quando penso no direção III, vem as frases do Antônio Araújo ecoando... “não é a obra da sua vida”, “não precisa dar certo”, “não precisa ser bom”, “é só uma experiência dentre muitas”...
Já não deu certo. Ok.
Já não é a obra da minha vida. Ok.
Eu já aprendi muito com todo esse processo, pela dor, mas aprendi.
Mas o que, de fato, fica? Um trauma? Um não querer nunca mais trabalhar colaborativamente? Uma rejeição as pessoas, a idéia, a tudo? Um cansaço?
Não estou dizendo que não se aprenda com a experiência e que não tenhamos que encontrar modelos menos caretas para o ensino do teatro, mas eu particularmente sinto falta da caretice de algumas aulas. De abrirmos Minha Vida Na Arte juntos e lermos e discutirmos um parágrafo como
Esse desdobramento entre o corpo e alma os artistas o experimentam e vivem na maior parte da sua vida: do meio dia às quatro e meia durante os ensaios, e das oito às doze da noite, durante os espetáculos, e isto quase todos os dias. Ao procurarmos a saída para essa situação insuportável de uma pessoa exposta a força á exibição pública e obrigada, contra sua vontade e necessidade, a produzir impressão sobre espectadores, recorremos a técnicas falsas artificiais de representação teatral e nos habituamos a elas.
Pego o Stanislavsky quase como uma provocação.
O teatro pseudo-contemporâneo fala desse encenador como seu fosse porcaria ultrapassada, mas nesse trecho – pra mim – ele traz uma questão muito real, viva e presente no meio dia-a-dia e que tem tudo a ver com o direção III do departamento de Artes Cênicas na ECA USP em 2009 que é: E os atores? Onde é que eles ficam em tudo isso?
Sem créditos, trabalhando de livre e espontânea vontade, estando na USP em feriados, ensaiando incessantemente aos finais de semana e pra quê? Isso é colaborativo? Que autoria é essa que estamos reclamando ou de que estamos falando?
Enfim, eu sei que estou misturando muitos assuntos, mas acho que o foco de tudo isso é: como repensar a formação de direção teatral na graduação de forma que não fiquemos tão perdidos? Posso estar fazendo drama ou pedindo colo, mas apesar de todo o aprendizado desse semestre, não sinto que foi nada saudável. Me senti por vezes arrastando dramaturgos e atrizes nas costas. Me senti por vezes, apesar das três aulas de direção no semestre, perdido. E quando me é requerido ler o teatro musical de Meyerhold ou os processos criativos de bob Wilson eu acho tudo lindo e muito interessante, mas aquilo tudo não parece fazer parte da minha realidade de como entender o que é um argumento.
E eu volto a proposta curricular do curso de direção e a pergunta que me vem a cabeça é: tudo isso é em nome de quê, mesmo?
De aprender a trabalhar colaborativamente. De repensar as questões de autoria. Na aula de Antônio Araújo lemos Barthes e Foucault que trazem a discussão sobre autor e autoria.
O autor – ou o que eu tentei descrever como a função autor – é, sem dúvida, apenas uma das especificações possíveis da função sujeito. Especificação possível ou necessária? Tendo em vista as modificações históricas ocorridas, não parece indispensável, longe disso, que a função autor permaneça constante em sua forma, em sua complexidade, e mesmo em sua existência.
A imagem de Foucault é absolutamente precisa: não existe um autor se não existir um sujeito. Uma coisa é pré-requisito para a outra. E como podemos pensar as questões de autoria e colocá-las em debate se ainda não temos discutidas e repensadas as questões dos sujeitos? Não vi isso como pauta de debate em nenhum momento. Fica a dica para o direção III - 2010...
Essas pessoas que estão sendo formadas e que se matam em horas de ensaio tentando achar um argumento, elas estão minimamente formadas enquanto sujeitos?
Posso estar colocando as coisas num nível meio inalcançável e fatalista, mas o fato é que pedagogicamente me sinto impelido a entrar num processo (e, pior, carregar pessoas junto comigo) no qual se os parâmetros já são frágeis para os professores, que dirá para os alunos.
Eu preferia, talvez, passar toda a minha graduação montando textos de dramaturgia pronta e sair da faculdade cospindo fogo de ódio e falando que vou mudar tudo e nunca mais montar dramaturgia pronta, mas estar seguro disso, a me lançar num projeto de arestas frágeis. Não me condenem: não estou falando o que eu preferia em termos de prazer, de achar legal... mas em termos pedagógicos, formativos.
Careta? Talvez...
Utilizo-me então de uma comparação talvez frágil, mas que me serve de base. Nesse ano, desde março, paralelo aos processos de direção II e III, eu fui convidado para dirigir um processo colaborativo que partiria de textos de Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector. Eu não tinha nem passado por direção II quando tudo começou. Não tínhamos dramaturgo, iluminador, cenógrafo... Três atrizes e um diretor-perdido.
Como todos sabem, atualmente os processos de PT tem uma orientação muito fraca que aparece de vez em nunca para assistir o que se está produzindo. Assim, mais livres e com menos baldes de informação na cabeça, ao longo de um ano, com as mesmas crises e abandonos, fizemos um espetáculo e passamos pelos testes de argumento, premissa, workshops...
Nada disso tinha esses nomes técnicos que hoje eu domino um pouco mais... Era tudo mais simples: a gente tem que fazer uma peça com esses autores, mas tem que ser uma peça que a gente goste. Achamos um tema e concretamente passei por todas as fases que passei no direção III, mas elas vieram não como uma lição de casa a ser apresentada na próxima aula: vieram naturalmente, da necessidade de concretizar um projeto. Atualmente, acho muito mais real, sincera e pedagogicamente mais rica a experiência desse PT que dirigi do que do direção III. Não digo que o resultado tenha ficado perfeito, mas ele foi de verdade um trabalho de pesquisa, com mestres e sem uma peça saída a fórceps.
Na semana passada, esse protocolo terminava com um convite para assistir ao Anima que estava em cartaz no teatro Alfredo Mesquita e que tem até blog
www.animapeca.blogspot.com
No entanto, agora que a primeiro temporada já passou (voltamos no TUSP em 2010), gostaria de terminar esse protocolo dizendo que odiei e amei todas as pessoas envolvidas nesse trabalho ao longo do semestre. Todas, mesmo, desde as atrizes, os dramaturgos até os alunos e professores de direção e dramaturgia. E todo esse ódio e amor, me fizeram pensar sobre o teatro que eu quero e que me interessa fazer. A Maria Thaís, desde o primeiro ano, nos instiga a pensar nisso: qual é o meu teatro? De certa forma, Bulhões tenta a mesma indagação com uma pergunta menos pretensiosa: o que você quer do público?
De uma forma ou de outra, não consigo responder ainda a nenhuma das duas perguntas, mas vendo os trabalhos dos outros diretores e o meu próprio, consigo delinear algumas coisas que nesse momento pra mim fazem sentido. A primeira tem a ver com pretensão. Sou muito pretensioso. De uma pretensão que chega a parecer arrogância, mas tem a ver com o fato de eu não ser o tipo de diretor que compro um projeto apenas por achar engraçado ou curioso. Gosto dos grandes temas. E tenho consciência de que foi essa pretensão que me fez ter a maior parte das dificuldades que tive com relação a esse processo, mas pra mim é melhor isso do que entrar num projeto que não me diz nada ou não está em diálogo com alguma questão (e não tem a ver com questões formais, mas de conteúdo mesmo) que esteja me incomodando.
E essa pretensão gerou problemas difíceis com as atrizes, pois falar do corpo em 2009 com pessoas (eu, inclusive) imaturas e que tem questões com o próprio o corpo era quase arrogância. No entanto, foi essa pretensão que me fez descobrir uma outra característica que tem a ver com o “meu teatro”: eu não estou disposto a passar por cima das pessoas, para fazer a peça que eu quero.
E se as minhas atrizes ou atores não se sentirem prontos, um dia, para fazer determinada cena, eu prefiro mudar a peça e o tema, mas não as pessoas, por mais gagas que elas sejam. Por outro lado, acho que é possível sempre trabalhar o máximo para quebrar junto com essas pessoas as barreiras que acharmos necessárias ser quebradas para um trabalho artístico mais potente. O problema é que isso leva tempo, um tempo maior que um tempo de direção III.
Enfim, espero que algo que eu tenha escrito aqui tenha reverberado, para além do desabafo.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
O que se pretende?
Na última reunião de três de novembro, foram discutidos vários aspectos que se relacionam com essa pergunta: O que se quer causar no público? Os assuntos discutidos foram entre outros: imagem dialética; nu dialético; fábula; linha rítmica; ápice do ritmo e todos estes são na verdade caminhos para construir o que se pretende com o público. O que se pretende quando você coloca uma imagem dialética em cena? O que é uma imagem dialética e como construí-la? O que se quer causar quando se coloca nu em cena? Como estabelecer uma relação, porque o nu em cena? Porque contar a fábula em cena? Que diálogo se pretende? Como estabelecer a linha rítmica? Acredito que todas estas são questões que encontram respostas na prática, a reflexão vem depois, afinal todas estas perguntas surgiram porque primeiramente elas estão , de alguma forma , em cena na Direção III. Assim na busca de resposta , novas questão foram surgindo, pois devemos lembrar que o Processo Colaborativo, pelo o que eu entendi até agora, se constrói a partir de perguntas os workshops, o recorte, o argumento foram questão que deveriam ser respondidas cenicamente. E agora surge uma nova questão, o roteiro. E onde estão as questões para serem respondidas na construção do roteiro? Pelo o que percebo elas estão, de certa forma, em cena, estão nas imagens, nos nus, na fábula, nos ritmos e agora é a hora de trilhar um caminho com todos esses elementos, ou melhor, todos os questionamentos. Assim o roteiro acaba tendo que responder a pergunta inicial deste texto: o que se que causar no público? O roteiro tem que responder a esta que é uma das principais, senão a principal, questão que devemos ter em mente quando vamos montar uma peça. Como disse antes as questões no teatro encontram suas repostas na prática, a reflexão vem depois, mas é claro que é necessário refletir sobre o trabalho, mas para as idéias deixarem de serem abstrações e se tornarem concretas elas precisam ser colocadas em cena. Assim a idéia de roteiro deve ser posta em cena, como o recorte e o argumento também o foram, pois desta maneira o diretor, que segundo Grotowski é um espectador de profissão, poderá ver o que a cena causa nele, o primeiro espectador, o primeiro público, o que ele sente. Seguindo o pensamento de que no teatro é necessário a prática, me atrevo a falar de um assunto que surgiu nessa última reunião, que foi o problema da disciplina Direção III ser em formato de Processo Colaborativo. Pelo o que foi dito a polêmica surge pela disciplina ser em formato de Processo Colaborativo, pois acaba sendo muito problemática e estressante para todos, mas que processo não é assim? O professor Bulhões apontou possibilidades para melhorar o funcionamento da disciplina, para que os processos se tornarem mais colaborativos e menos estressantes. Eu não sou aluna da disciplina, sou uma simples ouvinte, mas que ao escutar o problema, penso que ele é semelhante a questão do roteiro, pois na medida que o roteiro tenta responder o que se pretende com o público, a disciplina tenta responder o que se quer se com os alunos? Que diretores , atores e dramaturgos se pretende? No caso da disciplina a prática já aconteceu e surgiram resultados que estão sendo avaliados e esta reflexão é de grande importância para buscar responder a questão: o que se quer do aluno de teatro? Penso que excluir o Processo Colaborativo da disciplina de Direção III não seja a saída, ou melhor, seja uma saída mais fácil e visível, uma porta de emergência e não a solução mais elaborada, complexa e difícil. Então devemos nos perguntar: que porta queremos abrir?
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Protocolo da aula on-line de 20 de outubro de 2009, por Tchello Gasparini
Esse é o protocolo de uma aula peculiar: a primeira aula de Direção Teatral on-line do mundo! Pelo menos, eu acredito que seja...
Muito bem, comecemos. Após muitos problemas de ordem técnica – problemas de conexão, skype, etc. – e um problema específico de comunicação – não há horário de verão em Maceió! – finalmente começamos nossa rápida reunião, com apenas quatro dos seis participantes presentes (os outros dois caíram na armadilha do horário de verão). Apesar de ter sido muito mais curta do que o habitual, com duração de menos de duas horas, creio que levantamos alguns pontos muito interessantes.
Ficamos muito tempo discutindo a questão dos dramaturgos dentro dos processos – como se não fizéssemos isso TODOS OS DIAS. A Dani colocou os problemas que tinha com seu dramaturgo, o que causou uma enxurrada de reclamações sobre os mesmos. Creio que seja um problema que todos nós passamos ou estamos passando. A figura do dramaturgo é complicada. Se não é por falta de material, é por excesso de palpite, mas parece que eles estão sempre dando problemas!
Arriscando aqui uma análise tosca sobre essa questão, tenho às vezes a impressão de que o dramaturgo, muitas vezes, se sente deslocado dentro do processo. Afinal de contas, ele não é o responsável pela concepção da obra, pela idéia original, mas é um participante da construção conjunta da mesma. Porém, tanto os dramaturgos com um pouco mais de experiência quanto os completamente novatos – digo assim porque tenho os dois casos no meu grupo – ainda encaram a sua função como célula mãe, como geradora do movimento. Talvez esteja viajando aqui, mas essa impressão se reforça quando os mesmos assumem o papel de dramaturgistas. Já ouvi coisas como ‘mas eu venho aqui pra ficar escrevendo o que os atores escrevem?’. Isso, para mim, me dá a impressão de que esses dramaturgos em formação não tiveram uma preparação para se lidar com processo colaborativo, como nós, diretores em formação, temos dentro desse departamento. Acho que ainda existe um receio dos dramaturgos, um medo de não serem necessários, de que a função deles ali não faz muito sentido. Eles ainda continuam com a idéia de escrever em suas ‘torres de marfim’, e encaram o dramaturgismo como função menor, de um simples ‘copista’.
(...) os espetáculos produzidos em processo colaborativo nascem de um projeto pessoal do diretor, que reúne a partir de então a equipe de que necessita para empreender a criação. Cabe perguntar se a poética do processo colaborativo vem conseguindo efetivamente negar o “ator-linha-de-montagem” (Araújo, 2002, p. 42), e transformá-lo em sujeito, se a função autor tem tido condições de se formar na prática daqueles que nomeiam colaborativo o processo que empreendem.
Voltando ao caso da Dani: o dramaturgo não entrega material, e quase sempre, encara o workshop dos atores como cenas prontas, que não precisam ser mexidas, que já devem fazer parte da obra da maneira que elas surgem. Isso pode soar como preguiça ou falta de interesse por parte dele, mas como levantamos esse ponto na aula, acho justo enxergarmos outro lado da questão. O Miguel tem um pé forte na licenciatura. Isso é claro em suas conversas, seu modo de se expressar e no tratamento dado às pessoas com as quais ele trabalha. O interesse do Miguel talvez seja mais o processo de aprendizado do que a obra em si, o que realmente o toca é observar e participar de um processo de criação e formação de indivíduos. Acho que, desde que vi a segunda cena do Miguel em direção I eu tive essa impressão. Portanto, ele tende a supervalorizar o material trazido pelos atores. É claro que eu estou tornando rasa a questão, e também não acho que isso justifique o fato de ele não estar trabalhando com o que foi proposto. Como sempre dizemos, processo colaborativo exige um estado constante de jogo, e todo jogo necessita de regras. As regras dadas à função ‘dramaturgia’ devem ser cumpridas, e isso inclui papel, caneta, computador, máquina de escrever, etc.
Como sugestões de procedimento, Bulhões recomendou algumas coisinhas que podem ajudar na lida com o material dramatúrgico e com o(s) próprio(s) dramaturgos.
Em primeiro lugar, que se deixe claro para todos os membros do grupo o cronograma de ensaios. O que será trabalhado, quais cenas em tal dia, etc. Recomendou que esse roteiro seja combinado semanalmente, fechado e passado a todos os integrantes do grupo. Tendo isso feito, combina-se com o dramaturgo uma data semanal de entrega de versões provisórias do roteiro. Como exigência, o roteiro deve ser entregue por completo, mesmo que não esteja tudo criado. Mesmo que o dramaturgo descreva uma idéia primária de cena no papel, isso deve ser entregue como obra completa toda semana para toda a equipe.
Aproveitando a ‘vibe’ cibernética, Bulhões também sugeriu o que ele chamou de ‘roteiro compartilhado’. Seriam essas mesmas versões do roteiro, colocadas na internet, disponíveis para a equipe por e-mail ou por site, por blogs. Essas versões podem ser modificadas por qualquer membro da equipe, e depois as modificações voltariam à Mao do dramaturgo, que faria uma nova versão a partir disso, etc.
Quanto às cenas improvisadas – que muitos de nós temos em cena - surgiu também uma sugestão de escritura de roteiro para os dramaturgos. O texto seria escrito em duas colunas; na primeira, uma espécie de canovaccio, um roteiro de improvisos. Na segunda coluna, frases ‘de efeito’ que o dramaturgo pode colocar a partir das improvisações dos atores. Sugeriu-se também a possibilidade de se filmar os processos, com a finalidade de auxiliar a equipe a relembrar o que foi feito no ensaio anterior.
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O que você anda vendo/assistindo/lendo/...?
Vou tentar responder agora, e mostrar algumas coisas a vocês:
OUVINDO:
• Naked City
• Orquestra Mediterrânea
• Natural Born Killers OST
VENDO:
• Anticristo
• Natural Born Killers
• Monthy Phyton
• Cartier-Bresson
• Dave McKean
LENDO:
• Sandman, Gaiman
• Monstro do pântano, Moore
• Alice no País das Maravilhas, Carroll
• In nomine Dei, Saramago
• Contos extraordinários, Allan Poe
Agora, antes de encerrar esse protocolo, gostaria de pedir ao Bulhões que explicasse melhor esse modelo de dramaturgia por justaposição, do livro Gerald Thomas em cena, que foi citado durante a aula, e que não tive tempo de ler sobre.
Muchas gracias.
Esse é o protocolo de uma aula peculiar: a primeira aula de Direção Teatral on-line do mundo! Pelo menos, eu acredito que seja...
Muito bem, comecemos. Após muitos problemas de ordem técnica – problemas de conexão, skype, etc. – e um problema específico de comunicação – não há horário de verão em Maceió! – finalmente começamos nossa rápida reunião, com apenas quatro dos seis participantes presentes (os outros dois caíram na armadilha do horário de verão). Apesar de ter sido muito mais curta do que o habitual, com duração de menos de duas horas, creio que levantamos alguns pontos muito interessantes.
Ficamos muito tempo discutindo a questão dos dramaturgos dentro dos processos – como se não fizéssemos isso TODOS OS DIAS. A Dani colocou os problemas que tinha com seu dramaturgo, o que causou uma enxurrada de reclamações sobre os mesmos. Creio que seja um problema que todos nós passamos ou estamos passando. A figura do dramaturgo é complicada. Se não é por falta de material, é por excesso de palpite, mas parece que eles estão sempre dando problemas!
Arriscando aqui uma análise tosca sobre essa questão, tenho às vezes a impressão de que o dramaturgo, muitas vezes, se sente deslocado dentro do processo. Afinal de contas, ele não é o responsável pela concepção da obra, pela idéia original, mas é um participante da construção conjunta da mesma. Porém, tanto os dramaturgos com um pouco mais de experiência quanto os completamente novatos – digo assim porque tenho os dois casos no meu grupo – ainda encaram a sua função como célula mãe, como geradora do movimento. Talvez esteja viajando aqui, mas essa impressão se reforça quando os mesmos assumem o papel de dramaturgistas. Já ouvi coisas como ‘mas eu venho aqui pra ficar escrevendo o que os atores escrevem?’. Isso, para mim, me dá a impressão de que esses dramaturgos em formação não tiveram uma preparação para se lidar com processo colaborativo, como nós, diretores em formação, temos dentro desse departamento. Acho que ainda existe um receio dos dramaturgos, um medo de não serem necessários, de que a função deles ali não faz muito sentido. Eles ainda continuam com a idéia de escrever em suas ‘torres de marfim’, e encaram o dramaturgismo como função menor, de um simples ‘copista’.
(...) os espetáculos produzidos em processo colaborativo nascem de um projeto pessoal do diretor, que reúne a partir de então a equipe de que necessita para empreender a criação. Cabe perguntar se a poética do processo colaborativo vem conseguindo efetivamente negar o “ator-linha-de-montagem” (Araújo, 2002, p. 42), e transformá-lo em sujeito, se a função autor tem tido condições de se formar na prática daqueles que nomeiam colaborativo o processo que empreendem.
Voltando ao caso da Dani: o dramaturgo não entrega material, e quase sempre, encara o workshop dos atores como cenas prontas, que não precisam ser mexidas, que já devem fazer parte da obra da maneira que elas surgem. Isso pode soar como preguiça ou falta de interesse por parte dele, mas como levantamos esse ponto na aula, acho justo enxergarmos outro lado da questão. O Miguel tem um pé forte na licenciatura. Isso é claro em suas conversas, seu modo de se expressar e no tratamento dado às pessoas com as quais ele trabalha. O interesse do Miguel talvez seja mais o processo de aprendizado do que a obra em si, o que realmente o toca é observar e participar de um processo de criação e formação de indivíduos. Acho que, desde que vi a segunda cena do Miguel em direção I eu tive essa impressão. Portanto, ele tende a supervalorizar o material trazido pelos atores. É claro que eu estou tornando rasa a questão, e também não acho que isso justifique o fato de ele não estar trabalhando com o que foi proposto. Como sempre dizemos, processo colaborativo exige um estado constante de jogo, e todo jogo necessita de regras. As regras dadas à função ‘dramaturgia’ devem ser cumpridas, e isso inclui papel, caneta, computador, máquina de escrever, etc.
Como sugestões de procedimento, Bulhões recomendou algumas coisinhas que podem ajudar na lida com o material dramatúrgico e com o(s) próprio(s) dramaturgos.
Em primeiro lugar, que se deixe claro para todos os membros do grupo o cronograma de ensaios. O que será trabalhado, quais cenas em tal dia, etc. Recomendou que esse roteiro seja combinado semanalmente, fechado e passado a todos os integrantes do grupo. Tendo isso feito, combina-se com o dramaturgo uma data semanal de entrega de versões provisórias do roteiro. Como exigência, o roteiro deve ser entregue por completo, mesmo que não esteja tudo criado. Mesmo que o dramaturgo descreva uma idéia primária de cena no papel, isso deve ser entregue como obra completa toda semana para toda a equipe.
Aproveitando a ‘vibe’ cibernética, Bulhões também sugeriu o que ele chamou de ‘roteiro compartilhado’. Seriam essas mesmas versões do roteiro, colocadas na internet, disponíveis para a equipe por e-mail ou por site, por blogs. Essas versões podem ser modificadas por qualquer membro da equipe, e depois as modificações voltariam à Mao do dramaturgo, que faria uma nova versão a partir disso, etc.
Quanto às cenas improvisadas – que muitos de nós temos em cena - surgiu também uma sugestão de escritura de roteiro para os dramaturgos. O texto seria escrito em duas colunas; na primeira, uma espécie de canovaccio, um roteiro de improvisos. Na segunda coluna, frases ‘de efeito’ que o dramaturgo pode colocar a partir das improvisações dos atores. Sugeriu-se também a possibilidade de se filmar os processos, com a finalidade de auxiliar a equipe a relembrar o que foi feito no ensaio anterior.
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O que você anda vendo/assistindo/lendo/...?
Vou tentar responder agora, e mostrar algumas coisas a vocês:
OUVINDO:
• Naked City
• Orquestra Mediterrânea
• Natural Born Killers OST
VENDO:
• Anticristo
• Natural Born Killers
• Monthy Phyton
• Cartier-Bresson
• Dave McKean
LENDO:
• Sandman, Gaiman
• Monstro do pântano, Moore
• Alice no País das Maravilhas, Carroll
• In nomine Dei, Saramago
• Contos extraordinários, Allan Poe
Agora, antes de encerrar esse protocolo, gostaria de pedir ao Bulhões que explicasse melhor esse modelo de dramaturgia por justaposição, do livro Gerald Thomas em cena, que foi citado durante a aula, e que não tive tempo de ler sobre.
Muchas gracias.
Rainha{S}ummer - Sol, suor e sundown.
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Máquinas Honestas
“Relembrar os acordos.
Antes de pensar nos egos é necessário pensar na obra!
O que o público vai receber?
A pedagogia tem o limite do artístico.
O teatro e o público como final, a política da recepção!
O que importa é você ser honesto!
Célula dramatúrgica em potencial as possibilidades de signos, da metáfora.
Para quem você está servindo?”
Essas são frases, ou melhor, são questões e apontamentos que foram debatidos na última aula de terça-feira e que ficaram rodando na minha cabeça essa semana. Penso talvez que um dos apontamentos que perpasse todos os outros é: “O que importa é você ser honesto!” Acho que nesse ponto reside uma fundamentação para a criação artística, pois ao sermos honestos com os outros e com nós mesmos estamos sendo honestos com a obra se preocupando com a obra, com o resultado final, estamos sendo honestos com o público o que é o mais importante! É necessário saber jogar limpo, estabelecer um jogo limpo, consigo mesmo, com os colegas de trabalho, com a obra e assim com o público. A obra como resultado final, interessa para quem for recebê-la como produto artístico que seja significativo que apresente metáforas, com a célula dramatúrgica, com os signos visuais, com os atores, com o som, com a luz, enfim que possibilite ao espectador uma experiência única e esse tem sido o objetivo dentro da disciplina de direção III. Contudo como é possível construir uma obra, em um tempo reduzido, com pessoas que na maioria das vezes tem objetivos distintos com o trabalho? É complicado, mas ninguém disse que seria fácil, por isso acredito que ser honesto se torna a base para um trabalho eficiente que apresente um resultado razoável. Esta se chegando ao fim dos processos e as obras estão se encaminhando para um fechamento, por isso ainda há tempo de ser mais honesto, de reinventar o jogo com regras claras, pois o objetivo está se tornando cada vez mais o mesmo para as pessoas, na medida que se torna mais visível para todos os integrantes do trabalho. Vejo a obra teatral como uma grande maquinaria na qual todos os elementos necessitam estar funcionando em uma ordem precisa e nesse sentido a função do diretor é fundamental, pois é ele quem orquestra essa maquinaria de signos, de metáforas, de sonhos, de realidades, de pesadelos, de memórias, para assim apresentar uma máquina que funcione aos olhos do espectador. Máquina essa que não seja como as máquinas comuns que jogam sujo, que facilitam a vida das pessoas, mas que sejam máquinas honestas, que estabeleçam um jogo limpo provocando assim o espectador a ser um jogador. Como disse logo acima, ninguém disse que seria fácil, assim é necessário coragem e força para seguir, assim termino com uma citação de Rollo May :
“Os artistas são portadores da capacidade humana, antiga como o mundo, de se insurgir. Adoram mergulhar no caos para nele criar a forma, do mesmo modo que Deus criou o mundo.”
MAY, Rollo. A coragem de criar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
Antes de pensar nos egos é necessário pensar na obra!
O que o público vai receber?
A pedagogia tem o limite do artístico.
O teatro e o público como final, a política da recepção!
O que importa é você ser honesto!
Célula dramatúrgica em potencial as possibilidades de signos, da metáfora.
Para quem você está servindo?”
Essas são frases, ou melhor, são questões e apontamentos que foram debatidos na última aula de terça-feira e que ficaram rodando na minha cabeça essa semana. Penso talvez que um dos apontamentos que perpasse todos os outros é: “O que importa é você ser honesto!” Acho que nesse ponto reside uma fundamentação para a criação artística, pois ao sermos honestos com os outros e com nós mesmos estamos sendo honestos com a obra se preocupando com a obra, com o resultado final, estamos sendo honestos com o público o que é o mais importante! É necessário saber jogar limpo, estabelecer um jogo limpo, consigo mesmo, com os colegas de trabalho, com a obra e assim com o público. A obra como resultado final, interessa para quem for recebê-la como produto artístico que seja significativo que apresente metáforas, com a célula dramatúrgica, com os signos visuais, com os atores, com o som, com a luz, enfim que possibilite ao espectador uma experiência única e esse tem sido o objetivo dentro da disciplina de direção III. Contudo como é possível construir uma obra, em um tempo reduzido, com pessoas que na maioria das vezes tem objetivos distintos com o trabalho? É complicado, mas ninguém disse que seria fácil, por isso acredito que ser honesto se torna a base para um trabalho eficiente que apresente um resultado razoável. Esta se chegando ao fim dos processos e as obras estão se encaminhando para um fechamento, por isso ainda há tempo de ser mais honesto, de reinventar o jogo com regras claras, pois o objetivo está se tornando cada vez mais o mesmo para as pessoas, na medida que se torna mais visível para todos os integrantes do trabalho. Vejo a obra teatral como uma grande maquinaria na qual todos os elementos necessitam estar funcionando em uma ordem precisa e nesse sentido a função do diretor é fundamental, pois é ele quem orquestra essa maquinaria de signos, de metáforas, de sonhos, de realidades, de pesadelos, de memórias, para assim apresentar uma máquina que funcione aos olhos do espectador. Máquina essa que não seja como as máquinas comuns que jogam sujo, que facilitam a vida das pessoas, mas que sejam máquinas honestas, que estabeleçam um jogo limpo provocando assim o espectador a ser um jogador. Como disse logo acima, ninguém disse que seria fácil, assim é necessário coragem e força para seguir, assim termino com uma citação de Rollo May :
“Os artistas são portadores da capacidade humana, antiga como o mundo, de se insurgir. Adoram mergulhar no caos para nele criar a forma, do mesmo modo que Deus criou o mundo.”
MAY, Rollo. A coragem de criar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
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